No meu tempo de
criança, os pais eram pessoas esforçadas pelo sustento da família. Com
ostentação ou sem, as pessoas eram mais preocupadas com o trabalho do que com
ser feliz. Talvez por isso, já que filhos querem sempre fazer tudo diferente
dos pais, agora todo mundo quer fazer o filho feliz, acima de tudo.
Isso explica os valores escandalosos que se
paga hoje em dia por uma festa de aniversário, a quantidade de brinquedos que
as crianças têm e o número enorme de brasileiros indo para a Disney, às vezes
para passar o final de semana. Claro que existe a culpa de muitos pais que
trabalham demais e tentam compensar os filhos de alguma forma.
Mas reflexo da culpa ou
não, as crianças de agora nasceram para ser felizes. Será que está certo isso?
Vamos lembrar da nossa
infância. Eu pelo menos, era muito feliz. Brincando com minha amiga que morava
na casa ao lado, passávamos horas penteando o cabelo uma da outra, ou fazendo
comidinha com as plantas do jardim. A maior aventura de que me recordo era
brincar de pega-pega com o meu cachorro.
Muito básico para você?
Acontece que meu cachorro se transformava em uma onça que na verdade era uma
Medusa, então em um simples olhar, ele poderia nos transformar em pedras. Por
isso estávamos sempre equipadas com frascos vazios de shampoo cheios de água
que explodiam como granadas quando caiam no chão.
Pois é, criança vem com
imaginação de berço. Por isso não precisa ir até Orlando ver os espetáculos de
fogos de artifício para ficar maravilhada. Aliás, cá entre nós, já estive na
Disney 3 vezes (2 em Orlando e 1 em Paris) e nunca vi tanta criança triste em
um parque. Chorando, cansadas, angustiadas, com as mães e os familiares
estressados.
Claro, já viu o tamanho
do lugar? E a quantidade de informação? E de sorrisos maquiados, brilhos,
alegria explosiva? Gente, somos humanos. Isso não é um filme. É vida real. Não
somos super heróis, nem princesas. Seu filho vai comer aquela salsicha
processada junto com aquele pão velho de uma lanchonete linda com várias coisas
girando, e pode ser que passe mal. E ai? Não! Não pode passar mal na Disney.
Tem que curtir. Tem que ser feliz.
Eu trabalhei para a
Disney traduzindo todos os materiais para português durante 4 anos. Sou
encantada com a empresa e com o negócio em si, gosto de ir porque moro a 300
quilômetros de distância, temos o passe anual então é um programa barato em um
lugar super organizado e bonito na maioria das vezes.
Só estou usando de
exemplo porque sei que é uma viagem muito cara para se fazer do Brasil mas isso
não está impedindo cada vez mais brasileiros de fazerem. Minha pergunta usando
este exemplo é: será que precisamos fazer tanto pelos nossos filhos? (Viagem de
8 horas de avião, filas intermináveis, kilômetros e mais kilômetros de parque
de diversão) Eu suponho que não.
E que está errado os
pais sentirem que são responsáveis por fazer dos filhos, pessoas felizes. De
onde tiramos essa ideia maluca?
O que eles precisam na
verdade é de adultos para educá-los. E como adultos é claro que estamos
ocupados. Com a família, com o trabalho, com as funções da casa. Se nessa lista
se somar “a felicidade do(s) meu(s) filho(s)” alguém vai ficar muito
sobrecarregado e frustrado. Talvez seu filho, talvez você, talvez todo mundo.
É chato tentar e não
conseguir. Já pensou como sente os pais que pagaram a viagem em 6 vezes,
passaram 8 horas na lata de sardinha, mais 1 hora em um brinquedo se o filho
sair do brinquedo chorando?
Uma vez eu li o livro
Encantador de Cães e fiquei fascinada com o raciocínio simples que o genial
Cesar Millan escreve ali. Ele diz que cães só vão obedecer quem eles respeitam.
E para ganhar respeito, é preciso ser a autoridade, é preciso colocar ordem
antes do amor. Agora tente trocar a palavra “cães” por “filhos”, dá no mesmo.
Autoridade é o contrário de democracia. Os pais não podem estar sempre abertos
“o que querem comer, o que vamos fazer hoje, onde vamos passar as férias”.
Entende como é
complicado para a criança ouvir isso? Sentir que não existe uma ordem. Ela no
auge dos seus 4 anos (ou por volta disso) é que precisa saber, querer e lidar
com seus desejos. Meu Deus, está tudo errado ai. No meu tempo de criança, minha
mãe interrompia a brincadeira trazendo uma bandeja com uma limonada fresca e
biscoitos Maria.
Sempre que lembro dessa
cena (que aconteceu várias vezes) ela aparece iluminada como uma fada. O que eu
sentia era: Nossa, ela é mágica! Como ela sabe que estamos com fome e com sede?
Teria sido bem diferente se ela tivesse aparecido e perguntado: querem lanchar?
vão querer sorvete ou pode ser biscoito mesmo? Estava pensando em fazer uma
limonada, vocês vão beber? Ou é melhor eu trazer um suco de uva?
Infelizmente não estou
escrevendo isso porque já aprendi a lição depois de ler o livro. Estou tentando
aprender. E só estou escrevendo sobre isso porque descobri que tenho errado
bastante. Desde que nos mudamos para Miami, fico com pena e compaixão por
qualquer expressão de sofrimento que meus filhos tenham. Porque sei que é
difícil para eles. E até esqueço que é difícil também para mim.
Minha vida mudou
completamente. Mas nem lembro disso. Só penso neles. A consequência? Minha
filha de 4 anos cada dia faz uma coisa para me irritar. E então percebi que ela
está fazendo isso porque eu estou irritando ela. E porque? Porque estou aberta
todos os dias para ouvir, para entender o lado dela. Não parece errado à
princípio, certo?
Mas está errado.
Criança precisa de adulto, alguém que tenha um norte, e ela acompanha o
caminho, se frustrando, entendendo seus limites e entendendo, porque não, que a
vida não é um parque de diversões cheio de pessoas fantasiadas sorrindo para
você o dia todo. A vida é para evoluir. Vamos tentar evoluir como pais antes
que eles cresçam. Já pensou como deve ser frustrante a adolescência de uma
criança que sempre teve uma, duas, ou mais pessoas prontas a atender seus
pedidos?
Como deve ser difícil perder para um adulto
que passou a infância sempre ganhando? Nem que a custa de 12 sofridas
prestações para os pais?
Educar dá mais trabalho
do que servir o sorvete antes do jantar, já que seu filho está querendo tanto.
Educar envolve mais compromisso do que pagar as 6 parcelas da viagem mágica.
Educar é coisa de gente grande. Deve ser por isso que crianças não podem ter
filhos. Porque filhos precisam de adultos. Parece que esse é o grande problema
da minha geração, não queremos ser adultos. Outro dia vi um post sobre a crise
dos 25 anos. Levei o maior susto! A maioria das pessoas que conheço estão nessa
crise aos 35 (ou mais).
Está na hora de dar
esse passo. Parar de focar só na diversão e na felicidade e evoluir, amadurecer.
Todo grande passo na vida acontece quando a gente faz aquilo que é
desconfortável. Já aprendemos muito sobre diversão e entretenimento, que tal
agora aprender a viver?
por Cris Leão.
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