Seria o louco mais
feliz que eu? Sempre pensei. Sabe o louco que é louco? Como sei que não sou?
Não sei! Se eu fosse eu teria sacado, imagino, escutado alguém falar. Embora a
gente sempre evite o assunto quando o “objeto de estudo” está perto. Covardia.
Será que pro louco ele
é normal e o resto do mundo é louco? Menos os outros loucos, claro. Os loucos
se entendem. “Esse povo sai do expediente cansado, frustrado, se embebeda a
ponto de ficar… doido? Pra quê?” Mas nós (que somos normais) mesmo estando
bêbados, sabemos o que estamos fazendo. A gente gasta 10% do salário numa
noite, num bar.
Desperdiçamos o dinheiro investido vomitando tudo. Xingamos
todo mundo. Batemos o carro. Brigamos com quem a gente gosta, ama. Mijamos na
calça.
O que diferencia o
louco do normal é a culpa. Se você conseguir comprovar que é plenamente culpado
de tudo que fez, de todas as burradas, de todas as loucuras. Se você é culpado,
então é normal.
Amar pode sim, a gente
deixa. Desfrutar não. É safadeza! “Que feiura, esse povo doido tudo tarado.
Temos que ficar em cima!” A presença do louco deixa a gente louco também. A
culpa é de quem? A nossa presença deveria deixar o louco mais normal! Não? Pra
quem? A gente se alimenta. E nos sentimos superiores. Até que a gente cansa e
aí a gente tranca. Todos juntos. Até que poderia ser bom para eles. Mas não nos
aguentamos, não nos seguramos. Controlamos: remédios, horários, roupas iguais, todos
sem roupas, presidiários.
Tudo tem dia certo, as
vezes não tem dia. Solitária! Dia de visita é diferente. Banho tomado. Roupas
novas, limpas. Dentes escovados. Visita é no jardim. Flores, passarinhos, até o
sol é mais vivo. “Que lugar bonito, eu passaria minhas férias aqui.” Passaria
não, lá dentro é um inferno, e não adianta depor contra a casa, o médico já
avisara a família que o paciente seria agressivo e que tinha alucinações. A
família acredita no médico, é conveniente. “No mínimo mais 5 meses para ele
ficar bem”. A família paga adiantado que é pra não ter que voltar lá todo mês.
Seria o louco mais
feliz que eu? Não mais. Agora entendo o processo. O torturador tem que ter algo
pelo que viver E a gente prefere assim. “Doido dá trabalho demais, quase matam
a gente”. Mas no fim quem mata e quem deixa matar somos nós. No livro-reportagem
Holocausto Brasileiro, a jornalista Daniela Arbex expõe a frieza e crueldade
praticadas dentro da Colônia, o maior hospício do Brasil, aberto durante o
século XX, no qual morreram mais de 60 mil pessoas.
Não havia critério,
para lá eram mandados não só os “doidos”, o filho homossexual, a filha que
perdera a virgindade antes do casamento, o marido mandava para lá a esposa para
que pudesse viver com a amante, alcoólatras, moradores de rua e todos que
causavam algum desconforto à sociedade. Quem não era doido ficava, e quem já
era só piorava.
O hospício deve ter
surgido não para tratar do louco, pois o louco é secundário no processo. Se o
louco fica mais louco ou menos louco não tem problema; ele vai acabar ficando
mais ou menos tempo internado. Se o louco morre, ia acontecer, todos já sabiam.
O hospício trata é da gente, que somos normais. Não suportamos a presença de
quem tem um diálogo e percepções diferentes das nossas, então os trancamos
longe pra podermos nos tratar.
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