segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A verdade sobre os “traumas” de infância


As carências da vida adulta se devem à razões bem mais complexas que a falta de amor dos pais.


Não é minha intenção subestimar a importância das vivências infantis dolorosas na formação de sintomas chamados de neuróticos na vida adulta. Não gostaria, porém, de continuar a superestimá-los, como têm feito algumas das mais importantes correntes da psicologia contemporânea. 

A importância da infância na formação de nossas estruturas psíquicas é óbvia. Além de ser dependente, de ter o cérebro pronto para operar e receber informações do meio que a cerca, a criança possui uma intuição sofisticada, fruto da evolução incompleta da sua razão lógica – a razão após estabelecer-se completamente, funciona como “camisa-de-força” para as operações psíquicas sensoriais.

O que me preocupa é a forma dedutiva como muitos raciocinam sobre o tema. Observam, por exemplo, um adulto incapaz de ficar só e que busca com urgência qualquer tipo de vínculo afetivo. Ficam sabendo que ele teve uma mãe que lhe deu pouco carinho, pois vinha de uma família em que não era usual a manifestação física do afeto. Correlacionam os dois fatos e deduzem que, “lógico”, esse adulto carente de afeto é produto de uma criança que teve menos amor que precisava.

Pode ser que seja “lógico”, mas nem tudo que é lógico é verdadeiro. O que define a veracidade de uma firmação é sua comprovação prática. Minha experiência clínica mostra que todos nós, adultos, somos carentes, inseguros e com grande dificuldade para estarmos só, mesmo quando tivemos uma mãe amorosa.

Alguns de nós crescemos carentes porque tivemos pouco amor na infância e ansiamos por preencher essa lacuna. Outros porque tivemos muito, acostumamo-nos a isso e não conseguimos viver com menos. As carências da vida adulta não dependem apenas de nossa mãe e das peculiaridades que marcaram a nossa infância. Atribuo essa sensação de incompletude a um acontecimento geral, próprio de toda a espécie humana: a dramática vivência do nascimento, quando nos desgrudamos da mãe e passamos a sentir toda a sorte de inseguranças, desconfortos e desamparo.

O nascer é um “trauma” infantil, que nos marca a todos. Com o passar dos anos, um outro ingrediente entra em cena: o modo como funciona nossa razão. Já pelos 2-3 anos de idade observamos grandes diferenças na reação de crianças expostas ao mesmo fato externo. Diante da morte de um animal de estimação, por exemplo, algumas sofrerão mais que outras. 

Algumas tolerarão melhor frustrações, contrariedades e dores de todo o tipo; outras reagirão com violência sempre que contrariadas. Algumas serão facilmente conduzidas pelos argumentos; outras serão guiadas mais pela vontade que pela razão. 

Não há como negar que algumas dessas diferenças dependem de variáveis inatas e não relacionadas com o ambiente ou às vivências que cada criatura tenha tido de enfrentar.

Não desprezo a possibilidade de certas experiências dolorosas terem forte influência sobre a formação da personalidade de algumas pessoas. Isso, em virtude de terem sido expostas a dores muito graves (estupro, pai que se matou, queimaduras sérias etc.) ou por terem um espírito muito delicado (filhos que se tornam tímidos ou gagos em razão da agressividade dos pais, rapazes que evoluem na direção homossexual por serem objeto de humilhação, pessoas que se tornam obsessivas porque não tiveram espaço para expressão de suas raivas).

O que não me parece correto é generalizarmos esse tipo de reflexão apenas porque nos parece “lógico”. E, o que é mais grave, para explicar condições gerais dos setores humanos: inseguranças, carências afetivas e tantos outros conflitos que todos temos. 

Esse raciocínio equivocado sobre os “traumas” de infância tem acovardado muitos pais, tornando-os incapazes de agir com rigor e determinação na educação dos filhos.



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