Está em “debate”, mais uma vez, entre os juízes do Supremo
Tribunal Federal (STF), se uso de maconha é crime ou não. Ou seja, gente que
não entende nada disto, com todo o poder de decidir sobre isto.
Um médico
de Monte Azul – MG ganha 1.300 reais por mês para diagnosticar dependência de
maconha. Um juiz ganha uma média de 60.000 reais – reportagem da Época de junho
/15 – por mês para diagnosticar dependência de maconha.
As
diferenças não acabam só aí. Tais diferenças mostram duas coisas:
1- o desprestígio da Medicina brasileira.
2- 2- o
super-prestígio do Estado brasileiro. Como é que um juiz (mesmo um “juiz
competente do competente e isento STF”,
como o Lewandowski) consegue diferençar se quem porta maconha é um doente,
dependente, psicótico esquizofreniforme por uso de maconha, ou apenas um
“usuário portador”? O “poder” que ele tem o ensinou medicina? No hospital do
SUS onde eu trabalho, no momento, entre 8 pacientes sob meus cuidados, estou
cuidando de cinco com psicoses graves induzidas por maconha (todos ainda
“defendendo” que “maconha não faz mal”).
E estou ganhando do SUS 5 reais para
cuidar deles por 24 horas, andando ou em coma, comendo ou com sonda, urinando
ou cateterizado. E com todo o “prestígio” que o “título” de “médico do SUS que
cuida de maconha” me dá.
Tal
debate renitente na sociedade brasileira (“vamos descriminalizar drogas”)
reflete o atual espírito dos tempos:
“Libertário e antiautoritário.” Usuários de
maconha, que se dizem recreativos e funcionais, assim como os alcoolistas e
tabagistas, querem o “direito” de usar o que querem. Até aí é compreensível,
cada um faz com seu corpo o que lhe aprouver. O problema é quando este “prazer do
corpo” psicotiza, mata, acidenta, suicida, milhares de outras pessoas.
Poucos
concordam que armas de fogo deveriam ser liberadas e deixadas ao alcance de
crianças. O que é um doente mental que não uma criança, em alguns aspectos?
Devemos transar com uma maníaca em surto de furor sexual? Ou com uma criança
com alteração hormonal gerando puberdade precoce?
Devemos deixar à disposição de doentes
mentais, potencialmente suicidas, o livre-acesso à drogas desestabilizadoras?
Daí minha opinião ser ainda mais radical do
que o momento atual: tudo que é potencialmente lesivo deveria ter divulgação e
comercialização proibidas, aí inclusas as bebidas alcoólicas e cigarros. Usa
quem quer, se a pessoa é “usuária recreativa”; mas então que então pague o ônus
de contrabandear e usar clandestinamente aquilo que prejudica milhões.
Como
saber quem vai ser “usuário recreativo” e quem vai se psicotizar? Quem vai
desenvolver uma encefalopatia alcoólica ou quem vai ter uma doença
cerebrovascular de Buerger pelo uso de nicotina? Vai ser o Juiz Lewandowski que
vai saber disto?
Evidentemente
que um dependente, pego com maconha, não deve ir para a cadeia. Mas, caso um
médico competente – e não um juiz – o julgue doente, dependente, psicótico,
alucinótico, etc, não deveria ser “simplesmente solto em liberdade”.
Deveria
ser obrigado a tratar-se, pois mais cedo ou tarde o prejuízo a si ou a outrem
(geralmente mais a outrem do que a si) será inevitável. Para se ter uma ideia,
há 10 anos atrás, 20% dos meus pacientes psicóticos eram usuários de drogas;
hoje chegam a quase 85%.
O
problema é epidêmico, mas, pra variar, quem entende do assunto, quem está
lidando com o assunto, não é ouvido numa Sociedade onde o Estado (e seus
representantes, togados ou não) é soberano.
Os
“representantes deste Estado-esquerdista”, hoje, em sua maioria, acham
“bonitinho” “jogar para a galera”, ou seja, darem ouvidos aos “revoltadinhos
antiautoridade”.
Tais
“anti-autoridade-maconheiros” geralmente utilizam-se da droga para ficarem
“mais calmos”, exatamente porque são portadores de uma ansiedade num contexto
de transtorno bipolar. Transtorno este que os faz exatamente também mais
querelantes, “idealistas”, “passionais”, “reivindicativos”, “orgulhosos”,
“ativistas”, do que as pessoas normais.
O
ativismo “antiautoridade” nada mais é, em muitos casos, do que um sintoma de um
“ego orgulhoso”, um “ego hiperativo”, hiperpoderoso, voluntarioso, um ego super
expansivo exatamente porque é o “toque bipolar” quem lhe dá esta expansividade.
Nada contra os bipolares, inclusive tenho
orgulho de me perfilar entre eles. Só que, para aplacar minha ansiedade e minha
querelância, eu rezo, ao invés de fumar maconha.
Divulguei
o artigo e fui duramente criticado. Abaixo cito
algumas críticas e respostas:
1- Crítica: “Criminalizar
a maconha só piora o crime.” Resposta: Em momento algum falei sobre
“criminalização de maconha”, não quero entrar nesta seara, não sou juiz,
jurista, etc. O que eu disse é que , ao meu ver, circulação, lucro, venda
livre, propagandas, incentivos, a substâncias psicoativas, no Brasil, é algo,
do ponto de vista psiquiátrico, perigoso. É como deixar armas ao alcance de
crianças.
Eu disse
acima que cada um faz do seu corpo o que quer;
só acho errado governos, comerciantes, empresários, mafiosos, lucrarem
com a desgraça dos outros, assim livremente no Brasil.
Outra
coisa: se a pessoa é livre para ter prazer e curtir adoidado todo tipo de
drogas, substancias psicoativas, etc, por que, na hora de pagar a conta pelas
psicoses, depressões, pânicos, convulsões, acidentes, suicídios, etc, eles Vêm
Sugar sa Sociedade por meio da “gratuidade do SUS”? Não deveriam pagar pelo seu
prazer também?
2- Crítica: “O atual
debate no STF não é sobre se é doente ou não, mas sim sobre se é usuário ou
criminoso.” Resposta: Pelo que vi na imprensa, uma das discussões atuais no STF
é se a pessoa é portadorausuária, dependente ou traficante. O que eu abordei
aqui é que nunca vi esta discussão passar pela psiquiatria, e só a psiquiatria
pode dar uma resposta a se uma pessoa é usuária recreativa (puramente) ou tem
uma psicopatologia de base.
Ao
sistema jurídico-policial cumpre decidir se é um usuário recreativo ou um
traficante, se é um dependente ou traficante, e, para decidir isto, obviamente,
há de decidir-se, psiquiatricamente, e primeiramente, se é
“dependentedoenteusuário recreativo”. A questão que abordo aqui é que a
psiquiatria é renitentemente alijada deste processo decisório.
3- Crítica: “Maconha só adoece psiquiatricamente quem já
tinha uma predisposição doentia.” Resposta: Tenho uma experiência de 35 anos
atendendo pacientes com problemas advindos por maconha. Não são “apenas doentes
mentais” que fazem uso da droga, como foi insinuado acima. Já atendi
literalmente centenas, quase um milhar, de todo tipo de paciente, usuário de maconha
sem nenhuma outro problema psiquiátrico prévio.
Pacientes
que, se não fosse a maconha, muitíssimo provavelmente não tinham se
psicotizado, tinham a família saudável, sem nenhum problema psiquiátrico
anterior, nada de transtornos afetivos, esquizofrênicos, orgânicos, etc.
Tinham
é problemas psiquiátricos surgidos e relacionados temporalmente exclusivamente
ao uso da droga. São problemas listados amplamente na literatura médica, p.ex.,
ataques paroxísticos de ansiedade, síndrome do pânico, transtornos discognitivosdismnésicos,
síndrome amotivacional da cannabis, estados paranóides (o chamado “efeito
parano”), etc.
4- Crítica: “Então, você é a favor de criminalizar ou
descriminalizar a droga?” Resposta: não sou a favor de “criminalizar ou
descriminalizar’ nada, isto não é assunto médico, é assunto
legislativo-jurídico, repito. Estou apenas citanto minha opinião que é a de que
drogas (aí incluso nicotina e álcool), assim como armas, não deveriam ter sua
distribuição comercializada, “lucrada” por empresários e por governos, acesso
livre a quem quiser.
Neste
“acesso livre” entrarão crianças, adolescentes, pessoas com alguma fragilidade
psicopatológica latente, populações precarizadas socioeconomicamente, etc. E,
enfim, se alguém quiser “utilizar drogas psicoativas em seu corpo a seu
bel-prazer”, tudo bem, mas que arque com as despesas depois. Eu, mesmo sendo
doente de uma doença que não procurei com as próprias mãos, arco com as minhas
.
MarceloCaixeta, médico psiquiatra.
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