Talvez uma boa definição de maldade seja a prática de um ato em
que outra pessoa é prejudicada de forma consciente. Ou seja, aquele que pratica
a maldade sabe das consequências danosas do seu ato, sabe que se trata do uma
ação indevida e a pratica assim mesmo.
A maldade se distingue
das reações agressivas a que todos nós estamos sujeitos tanto no papel ativo
como passivo: quando alguém é agredido existe uma tendência natural para reagir
a ela de uma forma ou de outra. A ação agressiva pode ou não ser intencional e
não é raro que a reação venha a corresponder a um ato maldoso; porém, houve uma
agressão que a antecedeu.
Um exemplo peculiar de reação agressiva é a inveja, não
raramente maldosa: uma pessoa se compara com outra, sente-se por baixo e isso
provoca uma sensação de humilhação que é vivenciada como agressão; reage a essa
suposta agressão de forma sutil e desleal, tentando rebaixar ou diminuir aquele
que despertou a inveja. Esse tipo de maldade pode vir a ser praticada por
qualquer um de nós.
Na grande maioria dos casos de maldade, o ato é motivado pelo
desejo da pessoa de obter algum benefício que não lhe é devido. Assim, uma
pessoa egoísta fará o que for necessário para alcançar seus objetivos
materiais, intelectuais ou sentimentais sem se preocupar com os danos que
porventura venha a causar nos interlocutores. Estará agindo em defesa dos seus
interesses, desprovida de sentimento de culpa e de uma forma nada empática. Não
irá se incomodar com a dor provocada.
Porém, não é essa sua primeira intenção;
a real motivação é a de se apropriar daquele dado benefício; o dano ao outro é
um desdobramento do objetivo inicial e não é fonte de satisfação e nem de dor.
Em alguns casos, o ato agressivo está claramente associado ao
erotismo. Há décadas venho afirmando que o sexo, especialmente nos homens, tem
importantes conexões com a agressividade, de modo que isso explica
comportamentos sádicos, consentidos ou não, assim como os mais dramáticos atos
eróticos relacionados com o estupro, exibicionismo, pedofilia…
A associação
entre sexo e agressividade pode explicar alguns comportamentos machistas, assim
como algumas formas de maldade feminina – ser muito provocante para seu
parceiro e, mais ou menos regularmente, rejeitar sua abordagem! A maldade nem
sempre envolve violência ou apropriação indevida de objetos ou cargos. Por
vezes pode se exercer de forma sutil, provocando dor psíquica, como é o caso do
ato de humilhar deliberadamente outra pessoa.
Nas crianças que batem nas mais fracas ou que praticam o
bullying, tenho a impressão de que o que está em jogo é a autoafirmação: a
criança se avalia como mais forte ao rebaixar física ou moralmente alguma
outra.
Não é fácil explicar os
atos violentos contra alguns animais domésticos que são objeto de maus tratos
por parte de algumas poucas crianças. Alguns acham que isso indicaria a
existência de algum tipo de predisposição biológica para a prática de ações
agressivas e maldosas. Não estou convencido de que essa seja uma boa
explicação.
Sim, porque se houver uma predisposição para a maldade, aquele que
a pratica não pode ser responsabilizado; estará “apenas” exercendo sua natureza
(segundo o dicionário de filosofia de Comte-Sponville)! Talvez seja mais uma
manifestação do tipo da autoafirmação, especialmente se estiver sendo exercida
diante de outras crianças. Seria também uma exibição de coragem, de “sangue
frio”, de ser mais competente para o exercício da violência.
É mais ou menos nessa linha que acredito que se possa explicar
certas condutas que parecem exclusivamente maldosas, desprovidas de benefício
para quem a pratica, próprias dos psicopatas. Sendo pessoas destemidas, muitos
gostam de se exibir como mais ousados para executar qualquer ato violento.
Isso pode parecer
gratuito, mas está a serviço da vaidade, de se sentir superior aos outros
membros do grupo a que pertence. A vaidade consiste no prazer (erótico)
relacionado ao ato de se destacar; e num grupo de marginais, talvez o destaque
ganhe essa forma, qual seja, a de ser capaz de maldades mais ostensivas e desnecessárias.
Além da vaidade de ser um membro destemido do grupo, o que
costuma determinar um posto de liderança perante aqueles que sejam portadores
de algum medo, o ato violento aparentemente gratuito também costuma estar a
serviço de intimidar os membros do grupo, reforçando e definindo de modo claro
e definitivo o papel de liderança daquele que é totalmente destemido e, claro,
desprovido de qualquer tipo de culpa ou empatia.
Aliás, esse gosto pela maldade
pode ser chamado de “empatia negativa”: o prazer de se afirmar praticando o
mal.
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