Pesquisa realizada na Austrália
constatou que jovens que começam a beber com idade entre 12 e 13 anos têm três
vezes mais chances de se tornarem dependentes do álcool.
Barbara (nome fictício), 47
anos, com apenas 10 anos de idade, encontrou, em meio às festividades da
família, o ambiente propício para dar início ao consumo de bebidas alcoólicas
que a levaria ao vício.
“Comecei muito cedo, desde os
10 anos de idade; em casa todos bebiam, era em festa, almoço de finais de
semana ou datas comemorativas, sempre bebia”, destaca. O tempo passou e Barbara
casou, mas seu hábito de se embriagar só havia aumentado, recorda. “Com o
passar do tempo casei e meu marido também bebia, contudo, não como eu. Sempre
tínhamos conflitos, pois eu não queria parar de beber e já não conseguia”,
lembra.
Com um desejo incontrolável de
beber, a situação da auxiliar administrativo se tornava a cada dia mais
preocupante. Ela afirma que estava sempre querendo mais ao ponto de sentir
mal-estar em seu ambiente de trabalho, causado pelo consumo excessivo de
bebidas. “Ter que ir ao trabalho de ressaca ou não ir isso me incomodava”,
menciona.
De acordo a Organização Mundial
de Saúde (OMS), o crescimento do consumo de bebidas entre as mulheres é um
fenômeno mundial. Em 2014 em estudo recente sobre o assunto, a OMS constatou
que, de cada cinco pessoas que consomem bebidas alcoólicas de forma pesada, uma
é mulher.
Barbara conta que após cinco
anos, casada e mãe de um menino, a relação com o marido já não era a mesma e
reconhece que o fato dela beber contribuiu significativamente para o término da
união. “Com o fim do casamento, passei a beber mais, minha família e filho
tinham vergonha de mim, mas não falavam diretamente”, revela.
Para a psicóloga e professora
do departamento de Psicologia da Universidade Católica de Goiás (PUC), Juliana
Santos de S. Hannum, livrar-se da dependência química raramente é apenas um ato
de vontade. “Chamamos essa dificuldade de negação, o indivíduo acredita que tem
o controle da situação”, classifica.
A especialista acrescenta que o
reconhecimento da dependência por parte do indivíduo é quase sempre tardia no
que se refere aos prejuízos causados pelo álcool. “Identificamos um depende quando
o consumo é excessivo, duradouro e compulsivo, o qual degrada a sua vida
pessoal, familiar, profissional e social”, verifica.
Barbara levou muito tempo para
se reconhecer como alcoólatra. “Bebi durante 23 anos, percebi quando já não
tinha controle da minha vida. Prometia para meu filho e mãe que ia parar e não
conseguia. Perdi o respeito na família e trabalho e já estava vendo que se
continuasse iria perder o emprego”, ressalta.
Em busca de ajuda
O II Levantamento Nacional de
Álcool e Drogas (Lenad) estima que 11,7 milhões de pessoas sejam dependentes de
álcool no país. Pesquisas apontam que o percentual de mulheres que bebem mais
de cinco doses num único dia aumentou de 11% em 2006 para 20% em 2012.
Ao perceber que não conseguiria
lutar contra o vício só, Barbara decide pedir ajuda. “Percebi que não conseguia
cumprir as promessas de parar de beber, então decidi procurar ajuda em
Alcoólicos Anônimos. Minha família me apoiou inteiramente, incentivando
continuar nas reuniões”, expõe.
O bancário aposentado Zico
(nome fictício), membro e um dos líderes de Alcoólicos Anônimos de Goiânia
(AA), informa que na associação existem homens e mulheres de idades e níveis
sociais, econômicos e culturais dos mais variados. Ele explica que alguns
viveram os horrores do alcoolismo e praticamente perderam tudo e todas as
oportunidades até então; outros não perderam seus empregos ou suas empresas e
nem família por causa das bebedeiras, porém, chegaram à conclusão que o álcool
estava interferindo em suas vidas.
“Alcoólicos Anônimos é uma
irmandade de homens e mulheres que compartilham suas experiências, forças e
esperanças a fim de resolver seu problema comum e ajudar outros alcoólicos a se
recuperarem do alcoolismo. O único requisito para ser membro é o desejo de
parar de beber”, afirma.
Zico anuncia que para ser
membro de A.A. não há taxas ou mensalidades. “Somos autossuficientes graças às
próprias contribuições. A.A. não está ligada a nenhuma seita ou religião,
nenhum movimento político, nenhuma organização ou instituição; não deseja
entrar em qualquer controvérsia; não apoia nem combate quaisquer causas. Nosso
propósito primordial é mantermo-nos sóbrios e ajudar outros alcoólicos a
alcançarem a sobriedade”, atesta.
Elas bebem por hobby
Mulheres
que utilizaram em excesso álcool no início da adolescência sofrem com
dependência nas décadas seguintes
A psicóloga clínica Juliana
Hannum considera que são várias as razões que contribuíram para o aumento do
consumo de álcool entre as mulheres. Avalia que estes são resultados das
mudanças culturais que ocorreram no universo feminino. Especialmente no que se
refere à ida destas para o mercado de trabalho.
O que lhes proporcionou mais
liberdade ao conquistarem renda própria, no entanto, essa liberdade veio
acompanhada do estresse profissional acrescidas das responsabilidades com o lar
que na opinião da especialista acaba por influenciar na aderência ao álcool. O
que não significam necessariamente dependência do memo.
A assistente comercial Denise
Helena Amaral de Lima, 28 anos, concorda com alguns fatores que contribuem para
tomada de decisão de beber. “Bebo por vários motivos, por estresse, para
relaxar ou descontrair com os amigos”.
Hannum destaca que a única
maneira segura de evitar a dependência é diminuir o consumo, em quantidade e
frequência. Denise é categórica ao afirmar que bebe socialmente, em ocasiões
especiais ou para bater um papo com os amigos. E discorda com dados que aponta
que mulheres bebem mais.
“Hoje em dia não vejo como se
as mulheres bebessem mais, hoje as mulheres são mais independentes, não tem por
que não saírem para bater um papo com as amigas e tomar uma cervejinha”. Ela
considera que bebe menos hoje que quando começou há dez anos. “Na verdade
consumo menos agora”, diz.
“É preciso, antes de tudo,
reconhecer que o consumo está saindo do controle. Para ajudar, é preciso parar
de negar a doença. E a negação não ocorre só por parte do dependente, mas
também da família. É importante que o indivíduo receba um apoio emocional e
afetivo dos seus entes queridos, porém, todos devem compreender suas limitações
no processo e ir em busca de uma ajuda especializada (médico, psicoterapeuta,
grupos de apoio)”, alerta a psicóloga.
Fatores ambientais interferem na
conduta feminina
Juliana Hannum, mestre em
psicologia, aborda dois fatores que podem tornar uma pessoa dependente do
álcool, o psicológico e o ambiental. No entanto, ela observa que vários estudos
defendem uma tendência genética. “Os fatores psicológicos podem ser percebidos
através da tendência à ansiedade, insegurança, medo ou angústia, para os quais
o indivíduo busca alívio por meio da bebida”, define.
Existe também – ela acrescenta
– os fatores ambientais que interferem nos padrões do consumo, entre os quais
os hábitos familiares, a cultura da sociedade, estimulando ou restringindo o
consumo. Os rituais, a oferta de bebidas, a informação, a propaganda e outros
que acabam por influenciar no desenvolvimento das relações da pessoa com a
bebida.
“A interação desses fatores, psicológicos,
sociais e biológicos bem como as decisões e comportamentos do indivíduo, que
podem determinar o processo no qual a pessoa ficaria, gradualmente, ao longo
dos anos, dependente do álcool”, determina.
Conforme a Organização Mundial
de Saúde (OMS), o alcoolismo é uma doença incurável, progressiva e fatal, mas
pode ser detida. Na Alcoólicos Anônimos esse é um processo de detenção que
funciona através de princípios ensinados pela A.A. O processo de recuperação
diz Zico, deve ser continuo um dia de cada vez. “Muitas vezes, no início a
gente vai ao Grupo pela dor e depois de começar uma vida nova e receber os
benefícios da recuperação, efetivamos a nossa participação”, diz.
Ele esclarece que a recuperação
acontece através dos grupos formados para esse fim, e consiste na reformulação
de vida ao seguir os princípios associação. As reuniões dos grupos são
movimentadas com depoimentos dos membros, contando como eram, o que aconteceu
com eles e como estão agora. A participação nos grupos é entre 5 a 15 membros.
“Cheguei em A.A. já alguns anos
(35 anos), mas, o mais importante são as 24 horas de hoje. Quando eu posso
estar à disposição de quem precisa se livrar das consequências da doença do
alcoolismo. A minha vida está sendo recomposta e tenho a plena consciência de
que não é bebendo que me torno feliz. Aliás, sou muito feliz sem beber
(álcool). Sou agradecido por tudo que tenho conquistado por conta da minha
sobriedade, alcançada em A.A. sem nenhum sacrifício”, diz Zico.
“Desde quando conheci a irmandade não bebi mais, não houve recaídas,
hoje me sinto feliz e luto todos os dias para não dar o primeiro gole,
reconquistei o respeito na família e trabalho. Minha vida mudou para melhor”,
diz Barbara.
Comente este artigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário