O governo cede às pressões da casa-grande e aceita o naufrágio
dos avanços sociais que ele próprio promoveu nos últimos 12 anos
A crise econômica oferece à casa-grande a oportunidade de impor
sua vontade, favorecida pela leniência de quem haveria de resistir. E está
claro que, antes de econômica, a questão é política e social, e diz respeito à
estrutura medieval da sociedade nativa.
Sofre de miopia quem supõe, do ponto de vista político, que tudo
se resuma na disputa do poder entre PT e PSDB, acirrada por níveis de ódio
nunca dantes navegados, enquanto PMDB ora assiste de camarote, ora joga lenha
na fogueira. Que o diga o vice Temer ao vaticinar impávido que Dilma, de tão
impopular, não resiste até o fim do mandato.
Quem não precisa de oculista, percebe, isto sim, que o País é
sempre o mesmo e que a situação propicia à casa-grande a oportunidade da revanche
depois de 12 anos de batalhas perdidas. O ódio, aquecido pela chance, é o de
classe. Ou seja, o de sempre. Na moldura, a chantagem evidente. Dilma fica,
vinga, porém, o receituário neoliberal, e o sofrimento da senzala, minorado ao
longo de três mandatos petistas, volta a ser aquele que lhe cabe na visão dos
senhores.
Programas implementados por Lula, e por Dilma no seu primeiro
mandato, responsáveis pela evolução das classes menos favorecidas, ou melhor,
miseráveis, são atacados de rijo, a ponto de questionar, paradoxalmente, a
razão de ser de um partido dito dos trabalhadores, a se apresentar na origem
como de esquerda.
Tentativas de escapar ao retorno, do passado, são frustradas no
nascedouro, tanto mais agora que uma das agências de rating escaladas pelo
neoliberalismo para arbitrar a sorte do mundo sentencia o Brasil como mau
pagador.
Penso no fracasso da proposta de reeditar a CPMF, recomendável
de todos os pontos de vista e de seguro efeito. Por que soçobrou muito antes de
alcançar a praia? Porque mexe com os interesses do privilégio, por menores que
sejam, mínimos para o pessoal graúdo.
Em compensação, qualquer
corte na Educação, ou na Previdência Social, é recebida com indiferença
absoluta pelos usuários do cheque.
Como de hábito, paga a maioria, em um país que alega ser
democrático e onde a civilização é confundida com o luxo provinciano e
espalhafatoso dos bairros ditos nobres, embora despidos de qualquer nobreza em
proveito do exibicionismo vulgar. A situação empurra o praticante do jornalismo
honesto a duas conclusões.
A primeira diz respeito ao governo. Da Nação ou da minoria? Ou
simplesmente desarmado, acuado pela pressão e incapaz de reação? Ou inadequado
à gravidade do momento? Ou súcubo da prepotência da casa-grande? Muitos sempre
defenderão o legítimo, intocável mandato de Dilma Rousseff contra o golpismo
que nem me abalo a definir como reacionário, pois anterior à ideia de reação,
bem mais moderna, digamos assim.
No princípio, no nosso miúdo universo, não era o verbo, e sim
coabitavam o hábito da prepotência e o hábito da submissão. Para romper com
esta turva realidade, resistente até hoje, são indispensáveis ousadia
intelectual e desassombro moral.
Por exemplo, para levar
adiante, tenazmente, a proposta do retorno à CPMF, de mais e mais sacrifício
tão pequeno para quem pode contribuir à saída da crise.
O desastre ocorre se também um governo eleito dentro da lei
entrega-se ao hábito da submissão. Murmuram sinistramente os meus botões: falta
é peito, e também coerência.
Por parte do governo, que faz genuflexão aos pés do altar do
deus mercado, assim como do PT, ameaçado literalmente de extinção.
Governo e partido parecem incapacitados para a aposta certa, no
próprio povo brasileiro, esse bem tão importante quanto as dádivas da natureza.
Povo espezinhado, mantido o quanto for possível na senzala material e moral. Se
porções da população subitamente conseguem evadir-se, que sejam reconduzidas às
condições iniciais como o escravo fugido.
Trata-se agora de reduzir os percalços de uns poucos para
dilatar o sofrimento de muitos.
A segunda conclusão decorre da primeira, e não leva em conta o
confronto entre PSDB e PT, ambos traidores, a seu modo, dos princípios e
valores que diziam defender.
Cabe dividir os brasileiros, não direi em duas classes, e sim em
duas categorias.
De um lado, aqueles que só cogitam da felicidade própria e dos
seus pares, fechados no mundo do privilégio.
Do outro, aqueles que se
percebem responsáveis pelo destino do País e da Nação, e enxergam sua terra
como sua casa e como iguais os conterrâneos, próximos ou distantes.
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