A amizade corresponde a um elo sentimental forte e que surge
entre duas pessoas, ao que parece, em função de alguns dos ingredientes que nem
sempre estão presentes no processo do encantamento sentimental. A simpatia
costuma acontecer mais ou menos rapidamente, um achando graça no modo de ser,
de falar, de rir e de pensar do outro e isso é parecido com o que acontece no
amor.
As afinidades intelectuais surgem mais ou menos rapidamente à
medida que o relacionamento se aprofunda e é a principal causa dessa intimidade
crescente que caracteriza esse que talvez seja o encontro sentimental mais
maduro e mais distante dos elos sentimentais infantis. Pena não estar presente
na maioria das relações ditas amorosas.
Aqui predomina o respeito pelas diferenças e o modo de ser de
cada um determina um rápido processo de confiança recíproca; a intimidade mais
delicada costuma ser compartilhada sem medo que o amigo venha a fazer um uso
inadequado da confidência. Trata-se de um tipo de relacionamento desprovido de
“jogo”: amigos não buscam obter vantagens indevidas nesse tipo de
relacionamento.
As relações de amizade incluem alguma dose de ciúme e muito
pouca inveja, posto que costumam acontecer entre pessoas que estão em condições
socioculturais semelhantes. Quando existe algum indício de inveja, ela é vivida
intimamente, evitando ao máximo magoar aquele que está feliz por alguma
conquista especial. O ciúme existe, mas é discreto, de modo que melhores amigos
têm outros amigos também íntimos e isso não os maltrata e nem impede que a
amizade e a confiança persistam.
Entre os que se amam da forma usual, o ciúme
costuma se manifestar de uma forma opressiva, dando mesmo o direito dos amantes
de exigir o afastamento de todas as pessoas que possam provocar essa sensação
desagradável.
A propósito, uma das principais características desse tipo de
relação é que a existência do vínculo e do sentimento que o caracteriza não
atribui aos amigos direitos de um sobre o outro. Amigos não “cobram” como
cobram os que se amam. Amigos se respeitam e não exigem comportamentos que
firam a liberdade e o modo de ser do outro.
Amigos muitas vezes se afastam por
tempo longo e o curioso é que quando se reencontram parece que estiveram juntos
na véspera! A intimidade se refaz imediatamente e não existem questionamentos
que indiquem que um deve satisfações ao outro do que andou fazendo e com quem
esteve. Amigos respeitam os relacionamentos amorosos que surgem em paralelo e
não costumam competir com aqueles que são objeto do amor. O ciúme, quando
existe, é maior de outros amigos do que do parceiro amoroso.
É como se houvesse um genuíno respeito hierárquico, através do
qual todos estão de acordo que as relações amorosas são mais importantes que as
amizades, de modo que não há competição entre esses dois tipos de sentimentos.
O fato curioso é que muitos relacionamentos amorosos incluem intimidades bem
menores do que aquela que continua a existir entre amigos.
É como se, apesar de
tudo, as pessoas confiassem mais em seus amigos do que em seus amados; é como
se um amigo tivesse menos chance de trair ou usar mal a confidência que o
amado.
Amigos, de fato, não se traem. Muitas dessas relações se
enfraquecem com os anos por força de caminhos divergentes tomados por cada um
ou em decorrência de relacionamentos afetivos em que os novos parceiros não se
dão tão bem com os velhos amigos do amado (ou com suas parceiras); quanto mais
gente estiver envolvida, maior será a dificuldade no sentido de todos serem
igualmente amigos.
Quando algum amigo trai nossa confiança é porque nos
equivocamos e, sem nos apercebermos, confiamos em algum impostor que, bom ator,
se fez passar por “amigo” quando não o era desde o início.
Não espanta, pois, que uma das tarefas às quais tenho me
dedicado com mais vigor seja a de contribuir para que as escolhas sentimentais
sigam os passos das amizades que, do meu ponto de vista, são o tipo de
relacionamento mais bem sucedido.
Quando as pessoas se tornam mais maduras e mais independentes
elas conseguem ver em seus parceiros amorosos seus melhores amigos. Isso porque
os amantes foram escolhidos segundo os mesmos critérios que costumamos usar
para estabelecer elos de amizade: a busca de afinidades de caráter, gostos,
interesses e, é claro, aquela simpatia pelo jeito de ser um do outro que é tão
encantadora e tão difícil de ser definida.
No amor ainda entra o ingrediente erótico, como regra ausente
nas boas escolhas sentimentais. É preciso cuidado, pois o sexo não raramente
prejudica as boas escolhas: nem sempre os mais atraentes possuem os
ingredientes essenciais para uma ótima amizade.
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