«Estava a assistir à final de um campeonato num bar com uns
amigos e ficamos numa espécie de mezanino e, em baixo, haviauma menina que
torcia pela equipa adversária. Ela olhou para cima e pensei que estava a
provocar-me. Saltei para cima dela. Todos correram a afastar-nos e acabei por
ser expulso do local», relembra a designer de interiores L.O., de 29 anos. Este
foi apenas um dos vários episódios de explosões de raiva e impulsividade
vividos por ela até descobrir que o seu «pavio curto» era, na verdade, uma
condição médica: a chamada «Síndrome de Hulk».
O chamado Transtorno Explosivo Intermitente (TEI) é classificado
como um transtorno de impulso, pois, normalmente, o paciente tem dificuldade em
controlar a sua agressividade, que costuma ser desproporcional à situação que a
desencadeou.
Porém, nem todos que têm episódios de fúria sofrem do TEI.
«Essas explosões podem acontecer entre duas a três vezes por semana num período
de três meses ou o paciente precisa de ter tido três grandes explosões num
período de um ano para caracterizar esse transtorno. É preciso ser recorrente e
não uma situação banal de stress», afirma a coordenadora do grupo de TEI do
Ambulatório dos Transtornos do Impulso, do Instituto de Psiquiatria da
Faculdade de Medicina da USP (São Paulo), Liliana Seger.
O paciente com TEI nunca consegue premeditar o ataque, ao
contrário das pessoas com outros transtornos psiquiátricos como bipolaridade e
conduta antissocial. «Quando me apercebia, já tinha acontecido, já estava
histérica, a gritar ou a atacar alguém. Só conseguia parar para pensar depois
no que tinha acontecido. Essa questão do descontrolo era uma característica
muito forte em mim», relembra L.
Depois de uma explosão de raiva intensa, a sensação mais comum
que acomete esses pacientes é o sentimento de culpa, arrependimento e vergonha.
«Depois, ficava mal, deprimida e chorava muito porque, no fundo, sabia que
tinha feito algo errado», reconhece a designer de interiores.
Segundo a psicóloga Vânia Calazans, pesquisas científicas
apontam que as principais causas deste transtorno é a disfunção na produção da
serotonina e a hereditariedade. «A criança aprende por modelação, portanto,
quando vê o pai ou a mãe com um comportamento agressivo, isso desencadeia uma
ansiedade maior e ela passa a desenvolver esse mesmo tipo de comportamento, já
que cresceu nesse ambiente», explica.
L. reconhece que a sua mãe tem as mesmas características que
tinha antes de começar o tratamento. «Ela é muito stressada. Teve um episódio
que atirou uma caneca de cerâmica contra o meu pai. Até hoje está lá, a marca
na parede. Comentei sobre a possibilidade de tratamento, mas ela é de uma
geração que tem um preconceito muito grande em relação à terapia», afirma.
«Essa dificuldade de gerir o sentimento da raiva causa muitos
prejuízos na vida do paciente. Muitos só de decidem a procurar tratamento
depois de sofrer grandes perdas na vida profissional e amorosa. Em alguns
casos, nem os familiares aguentam mais o comportamento», afirma Vânia.
O tratamento para quem sofre de TEI requer uma combinação de
psicoterapia com medicamentos para ansiedade e depressão. «A literatura
especializada aponta que o tratamento psicoterápico traz os melhores resultados
para o paciente, pois este oferece ferramentas para que o paciente possa
aprender a gerir o sentimento de raiva e tornar externas as suas emoções», diz
Vânia.
«No meu caso, a terapia foi fundamental para aprender a
diagnosticar as situações de risco e evitar ter ataques de raiva. Também usei a
hipnose e técnicas de respiração que ajudaram a alcançar uma nova consciência.
Não precisei de medicação, mas, no início, as consultas eram mais intensas,
pelo menos duas vezes por semana.
Agora, já sou mais vista pelos meus amigos
como uma demente, as pessoas não me associam mais a comportamentos de raiva e
nervoso», afirma L., que já faz o tratamento há um ano e meio.
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