quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Dificuldade em manter a calma? Pode ter a «Síndrome de Hulk»


«Estava a assistir à final de um campeonato num bar com uns amigos e ficamos numa espécie de mezanino e, em baixo, haviauma menina que torcia pela equipa adversária. Ela olhou para cima e pensei que estava a provocar-me. Saltei para cima dela. Todos correram a afastar-nos e acabei por ser expulso do local», relembra a designer de interiores L.O., de 29 anos. Este foi apenas um dos vários episódios de explosões de raiva e impulsividade vividos por ela até descobrir que o seu «pavio curto» era, na verdade, uma condição médica: a chamada «Síndrome de Hulk».


O chamado Transtorno Explosivo Intermitente (TEI) é classificado como um transtorno de impulso, pois, normalmente, o paciente tem dificuldade em controlar a sua agressividade, que costuma ser desproporcional à situação que a desencadeou.

Porém, nem todos que têm episódios de fúria sofrem do TEI. «Essas explosões podem acontecer entre duas a três vezes por semana num período de três meses ou o paciente precisa de ter tido três grandes explosões num período de um ano para caracterizar esse transtorno. É preciso ser recorrente e não uma situação banal de stress», afirma a coordenadora do grupo de TEI do Ambulatório dos Transtornos do Impulso, do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP (São Paulo), Liliana Seger.

O paciente com TEI nunca consegue premeditar o ataque, ao contrário das pessoas com outros transtornos psiquiátricos como bipolaridade e conduta antissocial. «Quando me apercebia, já tinha acontecido, já estava histérica, a gritar ou a atacar alguém. Só conseguia parar para pensar depois no que tinha acontecido. Essa questão do descontrolo era uma característica muito forte em mim», relembra L.

Depois de uma explosão de raiva intensa, a sensação mais comum que acomete esses pacientes é o sentimento de culpa, arrependimento e vergonha. «Depois, ficava mal, deprimida e chorava muito porque, no fundo, sabia que tinha feito algo errado», reconhece a designer de interiores.

Segundo a psicóloga Vânia Calazans, pesquisas científicas apontam que as principais causas deste transtorno é a disfunção na produção da serotonina e a hereditariedade. «A criança aprende por modelação, portanto, quando vê o pai ou a mãe com um comportamento agressivo, isso desencadeia uma ansiedade maior e ela passa a desenvolver esse mesmo tipo de comportamento, já que cresceu nesse ambiente», explica.

L. reconhece que a sua mãe tem as mesmas características que tinha antes de começar o tratamento. «Ela é muito stressada. Teve um episódio que atirou uma caneca de cerâmica contra o meu pai. Até hoje está lá, a marca na parede. Comentei sobre a possibilidade de tratamento, mas ela é de uma geração que tem um preconceito muito grande em relação à terapia», afirma.

«Essa dificuldade de gerir o sentimento da raiva causa muitos prejuízos na vida do paciente. Muitos só de decidem a procurar tratamento depois de sofrer grandes perdas na vida profissional e amorosa. Em alguns casos, nem os familiares aguentam mais o comportamento», afirma Vânia.

O tratamento para quem sofre de TEI requer uma combinação de psicoterapia com medicamentos para ansiedade e depressão. «A literatura especializada aponta que o tratamento psicoterápico traz os melhores resultados para o paciente, pois este oferece ferramentas para que o paciente possa aprender a gerir o sentimento de raiva e tornar externas as suas emoções», diz Vânia.

«No meu caso, a terapia foi fundamental para aprender a diagnosticar as situações de risco e evitar ter ataques de raiva. Também usei a hipnose e técnicas de respiração que ajudaram a alcançar uma nova consciência. Não precisei de medicação, mas, no início, as consultas eram mais intensas, pelo menos duas vezes por semana. 

Agora, já sou mais vista pelos meus amigos como uma demente, as pessoas não me associam mais a comportamentos de raiva e nervoso», afirma L., que já faz o tratamento há um ano e meio.


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