sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O poliamor



O texto abaixo parece um daqueles falsos artigos com meu nome que aparecem na internet. Santo Deus, estou sendo influenciado por meus imitadores. Tudo bem, porque não aguento mais falar da Dilma, do petrolão e das delações premiadas. Falemos das neomulheres e dos homens-objeto. Vamos a isso.

Antes, os homens desejavam as mulheres. Hoje, queremos ser desejados. No tempo de meus pais, elas não davam: só casando. Os noivos galopavam como centauros para o quarto nupcial avançando sobre as noivas pálidas de terror. Filho dessa geração, eu achava que o desejo da mulher era “consequência” do nosso, que elas ansiavam por nosso assédio, em delíquios desmaiados. Eu achava que levar uma mulher para a cama era algo só de minha responsabilidade, que elas cumpriam cabisbaixas, trêmulas e, depois, gratas (ou não...). Elas “davam” como uma tarefa obrigatória. Histéricas, elas só amavam os que as rejeitavam. Nelson escreveu a parábola do “cafajeste do smoking impecável”. A mulher insultava o amante aos berros; ele imóvel, num smoking perfeito, fumando de piteira, indiferente às ofensas que ela atirava, de dedo espetado e olho em brasa. Aí, ela arriscou: “Você não é homem!”. O cafajeste jogou o cigarro fora, guardou a piteira com discreta elegância e assestou uma bofetada rutilante na mulher. Pronto! Banhada em lágrimas de paixão, ela agarrou-se às suas pernas. Era o amor, enfim.

Hoje, os homens é que dão. Elas comem. Os homens se raspam para ficar com o corpo feminino. Os homens malham para ficarem magníficos objetos de prazer. Antes, não. Eram barrigudos informes, sórdidos, com lindas damas ao lado, brutais machões dominando ninfas. Hoje, elas escolhem: “Aquele ali. Vou comer…”. Somos analisados minuciosamente nas conversas dos vestiários. Dizem-me informantes traidoras que o papo é mais grosso que conversa de marinheiro. Os pintinhos são analisados com régua e compasso. A barriga derruba um apaixonado, a bunda (isso é novo) passou a ser um objeto sexual fundamental para as moças: “Que bundinha ele tem!”. Nosso pobre feminismo deu nisso: as mulheres analisam os homens como imaginam que são analisadas por nós: “Que gato, eu ia te comer todinho...”. Hoje, nós somos as caricaturas das caricaturas que fazíamos delas.

Fui educado pelos jesuítas, o melhor caminho para a perversão. Sempre imaginei as mulheres como usáveis, romanticamente ingênuas, ou santas, ou decaídas... Mas nunca imaginei ver esse exército de rostos lindos, mas duros, implacáveis na avaliação do sujeito, nos olhando como sargentos examinando recrutas. O que nos excitava, nos fazia apaixonados, era ver em seus olhos a busca de proteção, quase um apelo de socorro. Nossa virilidade era quixotesca, salvadora. Sua fragilidade, mesmo fingida, era erotizante. Outro dia, vi um documentário antigo com a Jackie Kennedy falando com a voz fininha; parecia uma menininha, uma Barbie ingênua. Era a moda.

É claro que não me refiro às pobres desamparadas socialmente, às desvalidas; falo das peruas de esquerda (elas existem...) e de direita, falo da vanguarda das gostosas. Transar com uma mulher hoje é passar por um teste. E surge a dúvida máxima: o que dar às mulheres? Carinho? Proteção? Porrada? Desprezo? Companheirismo? Dar o quê? Dinheiro? Já servimos para sustentá-las, mandar nelas: “Oh, bobinhas... Não é assim, é assado...”. Mas não sabemos mais o que oferecer. Diante disso, o amor vira uma batalha de desencontros e dores, uma guerra constante e excitante, ciúmes afrodisíacos, ódios excitantes para o “make-up fuck” (a f... melhor que há). Os amores duram semanas; casou, perdeu a graça. Os jovens ricos vivem em haréns de luxo (ah, verde inveja…). Claro que o amor dos desvalidos continua igual: porrada, alcoolismo, e abandono. Repito que falo das “vanguardas” neossacanas.

Creio que a revolução sexual se deu mais por via das mulheres do que dos homens. Elas mudaram desde a pílula até hoje, impulsionadas pela tecnologia veloz, pela indústria da punheta das revistas pornô, pelo fetichismo das partes ao contrário do todo. São pedaços que vemos. O conjunto nos angustia. Disse-me uma psicanalista outro dia que o que mudou foi a transformação do sexo em ginástica, num atletismo em que as perversões proibidas se transformaram em brincadeiras polimorfas. Ninguém peca mais. E a culpa? O que foi feito dela? O limite é o quê? A morte? Há um recrudescimento da sacanagem como parques de diversões. As famosas surubas de antigamente (oh, crime nefando...) hoje são cirandas-cirandinhas felizes e gargalhantes. O bom e velho orgasminho não basta mais. É preciso ir mais longe. Até onde?

Talvez busquemos um êxtase permanente num mundo que se aquece, nas beiras da catástrofe, num presente enorme que não acaba. No Brasil, a ostentação de sexualidade é espantosa até em menininhas, miniperiguetes.

E que orgasmo é esse que atroará os ares? Que transgressão suprema acabará com todos os limites? Nesta neolibertinagem, queremos ir além das coisas que viramos. Há um desejo de aperfeiçoar os desempenhos, como se moderniza um avião ou um chip. Nas casas de swing, por exemplo, há uma utopia de se atingir um gozo além do ciúme, além da posse, um companheirismo pacífico entre putas e cornos. O swing sonha com uma democracia sexual. E há agora o novo hype do “poliamor” – não mais o velho ninguém é de ninguém, mas todos são de todos.

Dentro em pouco, talvez ressurja uma onda romântica, diante da angústia que a liberdade está gerando. Teremos amores melodramáticos, beijos eternos, fidelidades sem fim? No entanto, onde se aninharão os casais? No campo? Nas neves derretidas? No pó das cidades? Onde? Não temos onde amar. Não há casulos disponíveis. Famílias, lares? Não. Haverá talvez bordéis românticos, motéis da paixão, onde a paz infinita irá alem dos gritos de tesão.

Ninguém aguenta mais tanta liberdade... (Pronto, escritores de apócrifos, podem publicar que este é meu.)

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