Era uma bicicleta simples, das antigas, de ferro, que tem uma
estrutura apropriada para carga. Na simplicidade condizente com o ciclista, uma
caixa de legumes estava amarrada sobre o bagageiro. O que a diferenciava de
todas as outras que andavam pela ciclovia daquela avenida era a carga que
levava: um menino, nos seus dois ou três anos, mãozinhas firmes nas laterais da
caixa, usufruindo da aventura que o pai lhe propiciava, com os olhinhos
irradiando confiança naquele que o conduzia.
Muitos ciclistas profissionais vão torcer o nariz: a minha
descrição está errada! E as medidas mais elementares de segurança? Como um pai
pode arriscar a vida do próprio filho numa situação precária sem aquilo que
todos sabem ser o certo para equipar uma bicicleta que dê segurança tanto ao
condutor, quanto a alguém que o acompanhe?
Andando pelo meio de muitas bicicletas, algumas custando até
dezenas de vezes o preço da que usavam, pai e filho usufruíam do prazer de
circular por estas "vias modernas" que, hoje, se fazem presente em
muitas de nossas ruas. Mas ainda há muito o que fazer, se comparado com outros
grandes centros, onde este transporte, realmente, se transformou em
alternativo.
Há, ao menos, dois tipos de ciclistas em nossas vias: um que
dirige por prazer, esportividade, prática de exercício. Outro, que usa como
instrumento de transporte próprio. O primeiro pode discutir que as ciclovias
cortem a cidade numa justa e necessária reivindicação para que se humanize as relações
nos transportes. O segundo usa o que tem e o que inventa: no início das manhãs
de cada dia, há uma procissão de bicicletas que percorrem as ruas das vilas e
dos bairros, em condições precárias, mas das quais não têm como fugir.
Muitos amigos que voltaram a usar a bicicleta dizem que têm medo
de sair às ruas. Infelizmente, aquilo que os motoqueiros mais conscientes já
diziam, agora vale para os ciclistas: o desrespeito por parte de muitos carros,
caminhonetes, caminhões, ônibus... Tentando empurrar as "bikes" para
o acostamento ou para as calçadas, onde, inadequadamente, terão que disputar
espaço com os pedestres. Uma das mais trágicas e funestas "regras" de
relacionamento: "o maior engole o menor"!
Entre o prazer e a necessidade, fiquei com a imagem daqueles
dois: não sei se o pai estava fazendo apenas um passeio, ou se ia para algum
lugar prestar algum tipo de serviço. Estava bem de secretário! Na precariedade
dos equipamentos que usava, falou mais alto a criatividade.
Possivelmente não pudesse
equipar a bicicleta com todas as tralhas que os especialistas recomendam para
andar com uma criança. Mas cumpriam o ritual de relacionamento entre pai e
filho: o jeito como conversavam, a alegria de ambos, a cumplicidade no andar
pela cidade, suplantava qualquer restrição que técnicos de segurança
apresentassem.
Parodiando uma velha máxima poderia se dizer: no frigir dos
ovos, todos somos pedestres. Ninguém veio equipado para o transporte, a não ser
com as próprias pernas. Então dependemos do que a engenhosidade humana criou
para encurtar as distâncias.
Há uma parte fundamental que o setor público precisa
providenciar: espaços adequados e bem delimitados; mas também a consciência de
que, seja numa bicicleta ou no carro mais sofisticado, o objeto perde o sentido
se não pudermos fazer dele um "meio" para a sagrada arte de ir e vir
- a sagrada arte do bem conviver.
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