Drogas ilícitas fazem menos mal do que muitas drogas lícitas,
declararam vários cientistas, em debate promovido pela Defensoria Pública do
Rio de Janeiro, sobre política de drogas, proibicionismo e seus efeitos.
Para o
professor de medicina da UFRJ, João Menezes, a proibição e criminalização de
drogas são arbitrárias e hipócritas. “Sou contra o sedentarismo, mas não acho
que todo o sedentário deve ser preso. O mesmo vale para o usuário de drogas.
Várias drogas lícitas matam tanto ou mais é ninguém vai preso por isso”, disse
ele.
“Todos os
animais correm atrás de substâncias psicoativas. Até o inseto. É natural.
Criminalizar a droga é uma hipocrisia. Todos os trabalhos que justificam a
proibição da maconha foram feitos a partir da proibição, não antes”, afirmou.
Ele
defendeu que os estudos atuais não são suficiente para determinar os
verdadeiros efeitos nocivos de determinas drogas. Muitos produtos entorpecentes
vêm com outras substâncias nocivas que não são consideradas em várias
pesquisas”, afirmou o professor.
O
pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Francisco Neto considera que o
efeito do álcool é muito mais devastador na sociedade brasileira do que o do
crack. “A ciência hoje em dia mostra uma visão muito distante do que é o senso
comum”, declarou.
Para
Francisco Inácio Bastos, também pesquisador da Fiocruz, a cultura de
criminalização das drogas prejudica até os estudos sobre o assunto. “É uma
questão estigmatizada, sujeita à penas. Algumas pessoas acham que ao tratar
desse tema correm risco pessoal. Então, a pesquisa acaba subestimando o uso”.
Bastos
coordenou uma pesquisa nacional sobre uso do crack no ano passado. Ele lamentou
que pouco se saiba sobre as drogas consumidas no país, visto que as autoridades
não liberam seu uso para fins acadêmicos. “Se quisermos fazer ciência,
precisamos analisar e precisar essas amostras. Temos que saber o que de fato as
pessoas estão usando. Muitas vezes, a presença da substância ilícita é ínfima.
Precisamos ter padrões confiáveis”, comentou.
Todos os
presentes concordaram que a política de enfrentamento às drogas adotada pelas
autoridades brasileiras só contribui para a superlotação carcerária, aumento da
violência e do consumo de drogas.
Outro
consenso é que o uso de drogas não devem ser tratado como problema de
segurança, mas de saúde pública, quando o consumo for problemático.
Foram
citadas experiências em outros países, como Portugal e Inglaterra em que a
descriminalização e o enfoque na saúde têm ajudado a diminuir o número de
mortes na população usuária de substâncias e diminuído o número de
encarcerados.
O
defensor-geral do Rio de Janeiro, André Cruz, destacou que o aumento no número
de prisões no estado está diretamente relacionado ao aumento de processos que
tratam de drogas. “Tínhamos, em 2008, uma população carcerária de aproximadamente
25 mil pessoas. Atualmente são 43 mil. Praticamente dobrou, mas estamos mais
seguros hoje? O número de processos relativos a tráfico de drogas aumentou
vertiginosamente”, declarou.
Ele
adiantou que a Defensoria iniciou, há cerca de duas semanas, uma
recomendação institucional para que os
defensores peçam automaticamente a inconstitucionalidade de toda a prisão de
usuários, na maioria jovens negros e pobres. “Queremos que seja dado aos jovens
pobres o mesmo tratamento que dão ao jovens
ricos, quando são pegos com pequena quantidade de drogas”.
Apesar
dos dados concretos que apontam que a guerra às drogas causa mais danos que o
consumo, a maioria da população ainda trata as drogas como tabu, declarou o
jornalista Denis Bugierman, autor do livro “O fim da guerra”.
“Fazem
uma associação das drogas com o mal, e qualquer atitude em relação a elas
torna-se má”, comentou o pesquisador. “A violência está explodindo onde a
guerra às drogas acontece”, disse ele, que acredita que o país vive o auge
dessa guerra.
“Não
existe mundo sem crime, como não existe mundo sem drogas, mas essa enorme massa
de excluídos é que precisa ganhar dignidade, ser atendido com respeito, ter
oportunidades”, disse Inácio Bastos.
O Supremo
Tribunal Federal (STF) deve votar ainda neste mês a inconstitucionalidade da
criminalização do porte de drogas para uso pessoal, por entender que é questão
de foro íntimo.
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