segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Uma análise psiquiátrica dos defensores da maconha e da apropriação da questão pelo Estado brasileiro.


Está em “debate”, mais uma vez, entre os juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), se uso de maconha é crime ou não. Ou seja, gente que não entende nada disto, com todo o poder de decidir sobre isto.



Um médico de Monte Azul – MG ganha 1.300 reais por mês para diagnosticar dependência de maconha. Um juiz ganha uma média de 60.000 reais – reportagem da Época de junho /15 – por mês para diagnosticar dependência de maconha.

As diferenças não acabam só aí. Tais diferenças mostram duas coisas:
1-      o desprestígio da Medicina brasileira.

2-       2- o super-prestígio do Estado brasileiro. Como é que um juiz (mesmo um “juiz competente do competente e isento  STF”, como o Lewandowski) consegue diferençar se quem porta maconha é um doente, dependente, psicótico esquizofreniforme por uso de maconha, ou apenas um “usuário portador”? O “poder” que ele tem o ensinou medicina? No hospital do SUS onde eu trabalho, no momento, entre 8 pacientes sob meus cuidados, estou cuidando de cinco com psicoses graves induzidas por maconha (todos ainda “defendendo” que “maconha não faz mal”).

 E estou ganhando do SUS 5 reais para cuidar deles por 24 horas, andando ou em coma, comendo ou com sonda, urinando ou cateterizado. E com todo o “prestígio” que o “título” de “médico do SUS que cuida de maconha” me dá.

Tal debate renitente na sociedade brasileira (“vamos descriminalizar drogas”) reflete o atual espírito dos tempos:

 “Libertário e antiautoritário.” Usuários de maconha, que se dizem recreativos e funcionais, assim como os alcoolistas e tabagistas, querem o “direito” de usar o que querem. Até aí é compreensível, cada um faz com seu corpo o que lhe aprouver. O problema é quando este “prazer do corpo” psicotiza, mata, acidenta, suicida, milhares de outras pessoas.

Poucos concordam que armas de fogo deveriam ser liberadas e deixadas ao alcance de crianças. O que é um doente mental que não uma criança, em alguns aspectos? Devemos transar com uma maníaca em surto de furor sexual? Ou com uma criança com alteração hormonal gerando puberdade precoce?

 Devemos deixar à disposição de doentes mentais, potencialmente suicidas, o livre-acesso à drogas desestabilizadoras?

 Daí minha opinião ser ainda mais radical do que o momento atual: tudo que é potencialmente lesivo deveria ter divulgação e comercialização proibidas, aí inclusas as bebidas alcoólicas e cigarros. Usa quem quer, se a pessoa é “usuária recreativa”; mas então que então pague o ônus de contrabandear e usar clandestinamente aquilo que prejudica milhões.

Como saber quem vai ser “usuário recreativo” e quem vai se psicotizar? Quem vai desenvolver uma encefalopatia alcoólica ou quem vai ter uma doença cerebrovascular de Buerger pelo uso de nicotina? Vai ser o Juiz Lewandowski que vai saber disto?

Evidentemente que um dependente, pego com maconha, não deve ir para a cadeia. Mas, caso um médico competente – e não um juiz – o julgue doente, dependente, psicótico, alucinótico, etc, não deveria ser “simplesmente solto em liberdade”.

Deveria ser obrigado a tratar-se, pois mais cedo ou tarde o prejuízo a si ou a outrem (geralmente mais a outrem do que a si) será inevitável. Para se ter uma ideia, há 10 anos atrás, 20% dos meus pacientes psicóticos eram usuários de drogas; hoje chegam a quase 85%.

O problema é epidêmico, mas, pra variar, quem entende do assunto, quem está lidando com o assunto, não é ouvido numa Sociedade onde o Estado (e seus representantes, togados ou não) é soberano.

Os “representantes deste Estado-esquerdista”, hoje, em sua maioria, acham “bonitinho” “jogar para a galera”, ou seja, darem ouvidos aos “revoltadinhos antiautoridade”.

Tais “anti-autoridade-maconheiros” geralmente utilizam-se da droga para ficarem “mais calmos”, exatamente porque são portadores de uma ansiedade num contexto de transtorno bipolar. Transtorno este que os faz exatamente também mais querelantes, “idealistas”, “passionais”, “reivindicativos”, “orgulhosos”, “ativistas”, do que as pessoas normais.

O ativismo “antiautoridade” nada mais é, em muitos casos, do que um sintoma de um “ego orgulhoso”, um “ego hiperativo”, hiperpoderoso, voluntarioso, um ego super expansivo exatamente porque é o “toque bipolar” quem lhe dá esta expansividade.

 Nada contra os bipolares, inclusive tenho orgulho de me perfilar entre eles. Só que, para aplacar minha ansiedade e minha querelância, eu rezo, ao invés de fumar maconha.

Divulguei o artigo e fui duramente criticado. Abaixo cito  algumas críticas e respostas:

1- Crítica: “Criminalizar a maconha só piora o crime.” Resposta: Em momento algum falei sobre “criminalização de maconha”, não quero entrar nesta seara, não sou juiz, jurista, etc. O que eu disse é que , ao meu ver, circulação, lucro, venda livre, propagandas, incentivos, a substâncias psicoativas, no Brasil, é algo, do ponto de vista psiquiátrico, perigoso. É como deixar armas ao alcance de crianças.

Eu disse acima que cada um faz do seu corpo o que quer;  só acho errado governos, comerciantes, empresários, mafiosos, lucrarem com a desgraça dos outros, assim livremente no Brasil.

Outra coisa: se a pessoa é livre para ter prazer e curtir adoidado todo tipo de drogas, substancias psicoativas, etc, por que, na hora de pagar a conta pelas psicoses, depressões, pânicos, convulsões, acidentes, suicídios, etc, eles Vêm Sugar sa Sociedade por meio da “gratuidade do SUS”? Não deveriam pagar pelo seu prazer também?

2- Crítica: “O atual debate no STF não é sobre se é doente ou não, mas sim sobre se é usuário ou criminoso.” Resposta: Pelo que vi na imprensa, uma das discussões atuais no STF é se a pessoa é portadorausuária, dependente ou traficante. O que eu abordei aqui é que nunca vi esta discussão passar pela psiquiatria, e só a psiquiatria pode dar uma resposta a se uma pessoa é usuária recreativa (puramente) ou tem uma psicopatologia de base.

Ao sistema jurídico-policial cumpre decidir se é um usuário recreativo ou um traficante, se é um dependente ou traficante, e, para decidir isto, obviamente, há de decidir-se, psiquiatricamente, e primeiramente, se é “dependentedoenteusuário recreativo”. A questão que abordo aqui é que a psiquiatria é renitentemente alijada deste processo decisório.

3-      Crítica: “Maconha só adoece psiquiatricamente quem já tinha uma predisposição doentia.” Resposta: Tenho uma experiência de 35 anos atendendo pacientes com problemas advindos por maconha. Não são “apenas doentes mentais” que fazem uso da droga, como foi insinuado acima. Já atendi literalmente centenas, quase um milhar, de todo tipo de paciente, usuário de maconha sem nenhuma outro problema psiquiátrico prévio.

Pacientes que, se não fosse a maconha, muitíssimo provavelmente não tinham se psicotizado, tinham a família saudável, sem nenhum problema psiquiátrico anterior, nada de transtornos afetivos, esquizofrênicos, orgânicos, etc. 

Tinham é problemas psiquiátricos surgidos e relacionados temporalmente exclusivamente ao uso da droga. São problemas listados amplamente na literatura médica, p.ex., ataques paroxísticos de ansiedade, síndrome do pânico, transtornos discognitivosdismnésicos, síndrome amotivacional da cannabis, estados paranóides (o chamado “efeito parano”), etc.

4-      Crítica: “Então, você é a favor de criminalizar ou descriminalizar a droga?” Resposta: não sou a favor de “criminalizar ou descriminalizar’ nada, isto não é assunto médico, é assunto legislativo-jurídico, repito. Estou apenas citanto minha opinião que é a de que drogas (aí incluso nicotina e álcool), assim como armas, não deveriam ter sua distribuição comercializada, “lucrada” por empresários e por governos, acesso livre a quem quiser.

 Neste “acesso livre” entrarão crianças, adolescentes, pessoas com alguma fragilidade psicopatológica latente, populações precarizadas socioeconomicamente, etc. E, enfim, se alguém quiser “utilizar drogas psicoativas em seu corpo a seu bel-prazer”, tudo bem, mas que arque com as despesas depois. Eu, mesmo sendo doente de uma doença que não procurei com as próprias mãos, arco com as minhas .

MarceloCaixeta, médico psiquiatra.

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