quinta-feira, 29 de julho de 2010
Abusando do complexo
Há usos e abusos de certas palavras que chamam à atenção. Uma delas, por exemplo, é "complexo". E que fique claro, desde já, que se trata de uso da palavra complexo na função de adjetivo, sem qualquer relação com a teoria da complexidade. A comunidade científica costuma, muitas vezes, caracterizar seus assuntos de interesse como "complexos". E faz isso, basicamente, por duas razões. A primeira pressupondo deixar claro pelo emprego do adjetivo "complexo" que o tema em questão, seja lá o que for, não é conhecido na totalidade. Uma segunda sugere que pode levar bastante tempo ainda, sendo necessários muitos recursos, para que o mesmo possa ser compreendido. E, acima de tudo, para "alertar" os usuários de tais informações como tratá-las. Ou seja: nada mais nada menos, do que informações imperfeitas. Resumindo, a noção de complexidade, nesta situação, pode ser usada, por um lado, para expor os limites do conhecimento científico e, por outro lado, para acobertar o tamanho da nossa ignorância.
Deixando de lado os complexos de que trata a psicanálise, literalmente esta palavra pode significar algo que abrange ou encerra muitos elementos ou partes. Grupo ou conjunto de coisas, fatos ou circunstâncias que têm qualquer ligação ou nexo entre si. Também algo observável sob diferentes aspectos. Ou ainda: confuso, complicado, intricado. Por isso, admitamos, é difícil resistir ao uso do adjetivo "complexo" quando se está escrevendo ou falando sobre coisas cujos domínios da ciência, ou quem sabe da nossa compreensão, estão muito aquém dos desejados.
O que não dá para aceitar e de fato ofende a inteligência é o uso que alguns pretensos especialistas em determinados assuntos dão à palavra "complexo". Quando, de forma quase sempre preconceituosa, pressupõem a incapacidade do interlocutor em compreender o que dirão, pela "complexidade do assunto", e sequer se dignam a tentar explicar ou recorrem ao artifício da generalização tipo "processos ou interações complexas...", ou se valem de analogias simplistas, que, na realidade, não servem para nada. Isto é comum, quando a interlocução se dá entre níveis educacionais muito diferentes ou entre especialidades distintas do conhecimento. Faz parte da "arrogância" que as titulações acadêmicas impõem nos indivíduos, muitas vezes despercebida.
Uma das coisas mais difíceis para um especialista ao tentar explicar um assunto da sua especialidade para um leigo é saber dosar o quanto o não especialista necessita saber. Que detalhes podem ser deixados de lado e quais generalizações na descrição de processos e eventos podem ser omitidos sem que a compreensão do todo, mesmo incompleta, ainda seja correta. Este é um dos grandes desafios da comunicação científica para o público em geral. Quando os termos técnicos e os jargões das especialidades podem significar absolutamente nada. Onde o pragmatismo dos usuários de tecnologias não admite ou se recusa a aceitar as incertezas dos resultados obtidos via experimentação científica empírica.
É muito mais cômodo e mais seguro para a comunidade científica divulgar o resultado de seus trabalhos em publicações especializadas, fazer comunicações em anais de eventos da sua área de atuação etc., lidos apenas pelos pares, do que tentar extrair e divulgar respostas para os problemas que afligem os usuários de tecnologias. As demandas dos usuários, quase sempre, são pontuais e não admitem as incertezas inerentes aos resultados experimentais. Não interessa e o usuário geralmente não quer saber o nível de confiança do teste estatístico que subsidia a conclusão.
São de Michael Glantz, sociólogo do Centro Nacional de Pesquisas para a Atmosfera, o National Center for Atmospheric Research, sediado em Boulder, no Colorado, as percepções sobre o uso do adjetivo "complexo" pela comunidade científica. Consta no capítulo de introdução do seu livro "Currents of change: El Niño's impact on climate and society".
Dou a mão à palmatória. Confesso que, tentando simplificar, já defini El Niño como o resultado de interações "complexas" entre a atmosfera e a superfície das águas do Oceano Pacífico tropical. Aparentemente simples, porém vago e sem utilidade.
Gilberto Cunha em ONacional.
Postado por
William Junior
às
13:15
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Guardada as devidas proporções! É como usar a palavra "COISA", cuja melhor definição é: tudo aquilo que não conseguimos nominar.
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