terça-feira, 13 de julho de 2010

Homo sapiens irresonsabilis



O homem ficou estarrecido ao tomar conhecimento de que o congresso nacional – como minúsculas, sim – aprovara um novo código florestal, em que se permite o exercício e a prática do trágico desrespeito à natureza. Ligou imediatamente para um amigo de idos tempos, e me colocou em conferência:
– Nem precisa dizer, compadre! Vivemos em um País de irresponsáveis, em que se brinca com tudo: um ministério dedicado à educação brinca com a Paideia, motivo de preocupação e de interrogações do pensamento grego, como vemos nos últimos resultados verificados no ensino público. Brinca-se de formar professores, e eles brincam de ensinar, pois não aprenderam o que tem de ministrar aos alunos. Um ministério que brinca de cultura, uma vez que não existe incentivo algum a quem produz conhecimento, a quem cria o estético. Os prêmios literários são esporádicos e, normalmente irrisórios, e inexistem em nível de ministério. Um ministério brincalhão para defesa, uma vez que nossas fronteiras são totalmente desprotegidas. Por isso, entram no País todas as espécies de drogas que infestam as cidades, a ponto de se formarem poderes paralelos, admitidos pelo governo que nada faz para debelá-los. Um ministério do meio ambiente inteiramente bufão, que não resiste às pressões políticas e, sobretudo, às pressões dos imortais produtores que pensam com as burras e seus números bancários.
– Espera aí, compadre, por que você os chamou de imortais?
– Ora, agem como se fossem imortais, como se fossem aproveitar-se eternamente dos bens produzidos pela terra. Por isso, desmatam, poluem o ar, os rios, os mares, o planeta. Ninguém pensa em preservar nada, nem na reabilitação da natureza que, certamente, cobrará caro pelo assassinato de árvores que demoraram séculos para atingirem o estágio em que se encontravam no momento do dendronicídio. Já pensou, compadre, na possibilidade de a Amazônia se transformar em um Saara?
– É possível! Se havia um Código Florestal que previa sansões a quem o desobedecesse e, mesmo assim, riam dele, como se fosse uma piada, ou um instrumento de gozação, agora com a aprovação desse novo Código, redigido em linguagem que permite interpretações várias, ocorrerá, mais ou menos, o que Riobaldo diz no Grande sertão: veredas: Se Deus não existisse, tudo seria possível e nada teria importância. É o que ocorrerá daqui pra frente.
– Eh! Realmente, compadre, desmatar 90%, sem necessidade de reflorestar é, ao pé da letra, o fim de picada. Entendendo picada, segundo definição de Houaiss, como “atalho aberto na mata a golpes de facão ou de foice para a passagem de pessoas, pequenos veículos” e, hoje, como derrubada de matas para plantação ou criação de pastagens, realmente é o fim da picada, compadre, pois não haverá mais matas para as pantagruélicas motosserras.
– Acho que batizá-las pantagruélicas é pouco! Não são apenas comilonas, são dendronicidas diabólicas, mefistofélicas, pois não dispõem de qualquer limite!
– Penso diferente, compadre! Acredito que os chamados ruralistas que legislaram em causa própria, é que são a matéria do capeta. Matéria, sim, porque pensam e agem o mal, a desgraça da humanidade, inclusive dos seus pósteros.
– Exatamente isso! Carregam em si uma das piores desgraças de se ser homem – pois humanos, naquele sentido utilizado pelos existencialistas, de transcendência do ser, não são –, o egoísmo, coisa nefasta, contrária ao amor, naquele sentido utilizado por São Paulo: “Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e dos anjos, se não tivesse amor, seria como sino ruidoso ou como címbalo estridente. Ainda que tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência; ainda que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse amor, nada seria.
Ainda que eu distribuísse todos os meus bens aos famintos, ainda que entregasse o meu corpo às chamas, se não tivesse amor, nada disso me adiantaria. O amor é paciente, o amor é prestativo; não é invejoso, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor.
Não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais passará. As profecias desaparecerão, as línguas cessarão, a ciência também desaparecerá. Pois o nosso conhecimento é limitado; limitada é também a nossa profecia. Mas, quando vier a perfeição, desaparecerá o que é limitado. Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Depois que me tornei adulto, deixei o que era próprio de criança. Agora vemos como em espelho e de maneira confusa; mas depois veremos face a face. Agora o meu conhecimento é limitado, mas depois conhecerei como sou conhecido. Agora, portanto, permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e o amor. A maior delas, porém, é o amor.”
– Eh! Compadre, quem aprovou e quem sancionar este código são também pantagruélicos: trazem o mundo na barriga. E, pior, enxergam apenas o próprio umbigo! Não gostam sequer de seus descendentes, pois não lhes proporciona esperança de vida na Terra!
– Olha, compadre, gostar é próprio de animais! Amar não é de homem, mas de humano; de quem ultrapassa os limites da matéria, notadamente o dinheiro e a comida! O que o senhor acha, Professor?
– Eu! Só escuto e rezo para Deus abrir os olhos dos “hominum asinorum stultorum”. Coitados dos asnos! Adjuvate nos, Domine et Domina!

José Fernandes escreve no DM.

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Um comentário:

  1. Quero (ou melhor, não quero) realmente ver o que vai acontecer daqui pra frente. Bem me parece que realmente são decisões nada responsáveis.


    http://focobiologico.wordpress.com/2010/07/14/novo-codigo-florestal-brasileiro/

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