terça-feira, 6 de julho de 2010

Crítica do crack: todo mundo fala, mas não faz nada



Hoje em dia virou uma coisa já muito cansativa e repetitiva ver autoridades políticas, jurídico-policiais, promotores e até empresários tirando casquinha e querendo Ibope para falar de “combate” às drogas. Falam o óbvio – até nenê de berço, pobre ou rico, sabe que “droga mata” – achando que estão aparecendo por dar uma de “bonzinho” e moralista.
Este negócio de “educação”, “diálogo”, psicologismo barato, é uma palhaçada. O que este povo precisa é de serviço, ocupação, escola que presta, pais que prestam, que dão exemplo, e não blá-blá-blá; religião exemplificada, e não blá-blá-blá sem exemplo, que não muda ninguém. Quem que não sabe que droga mata, que é ruim ? Mais “campanha” pra quê? Mais estudos, comissões, diagnósticos, encaminhamentos etc, pra quê ?
Quem que não sabe que transar sem camisinha pega Aids? Se fosse assim, já estaria tudo resolvido. Precisam é de pais, exemplos, serviço, ocupação, Deus, e quando nada disto funciona, de hospital e de médico. E, depois de hospital e médico, mais serviço, mais ocupação, mais exemplo, mais Deus. Todo mundo está de saco cheio de blá-blá, e todos sabem que, de fato ninguém faz nada, pois continua tudo do mesmo jeito.
De presidente da República a secretários de saúde, de governadores, prefeitos a secretários de ação social, polícia etc etc, todos dizem que “estão investindo milhões”, abrindo leitos, clínicas, serviços, combate etc. Vocês veem alguma coisa? Porque eu, que lido com drogados internados todos os dias, não vejo nada.
Estes dias, por exemplo, conselhos tutelares, ministério públicos, judiciários, secretarias de saúde ,etc ,etc, imploraram para que nosso hospital psiquiátrico infantil filantrópico internasse três menores, irmãos, dois meninos e uma menina, do Entorno de Brasília. Deram um trabalho indescritível para o hospital, estavam pele e osso, se prostituindo, roubando, morando nas ruas, assaltando, um deles – por lesão cerebral e pulmonar, pelas drogas – foi parar na UTI, onde ficou por quase um mês, entre a vida e a morte, sendo cuidado diariamente por mim.
Pois bem, quando dei alta para eles, recuperados, cadê os programas? O mais velho está na rua, não arrumam nada para ele fazer, nem plantar alface em uma horta. Os dois só estão em casa porque estão muito medicados, tive de dopá-los para não voltarem às ruas. Apesar de os estarmos atendendo de graça, eu e o hospital filantrópico onde trabalho, as exigências das autoridades não param de chegar. Já tive de fazer três relatórios pedindo transporte do Entorno para o nosso hospital, porque o secretário da Saúde de lá não quer mais dar transporte, chegou a dizer que “droga é problema social, não de saúde”.
Também ninguém do serviço público consegue os remédios, que nem caros são. Durante três meses nosso hospital vem tratando deles de graça, fornecendo remédios, enfermeiros, médicos, psicoterapia etc. Na semana passada, mais uma vez, recebi um recado: não iriam arrumar remédio para eles, não estavam querendo dar transporte para eles – ocupação, então, nem falar. Então eu chutei o balde e os mandei para pqp – resultado: mais três drogados de volta às ruas. Isto, creiam-me, acontece toda hora, todo dia. Agora mesmo, estou com quatro drogados, menores, internados, que vou ter de “jogar na rua” porque não há nenhuma horta para eles irem trabalhar, se ocupar, serem tirados das ruas.
Onde estão os 400 milhões do programa de Lula, governos, prefeituras ? Onde está a ação? O blá-blá-blá eu sei onde está... Até grandes empresas de comunicação, vide OJC, entraram nesta, é “cult”, é “politicamente correto”, é “humano”, dá Ibope. Não são capazes de arrumar um terreninho, botar um hortelão e fazer uma horta para tirá-los das ruas, dando-lhes o que ninguém lhes dá de verdade: o que fazer. Se não conseguem fazer uma horta, vão conseguir fazer um hospital – como têm apregoado?
Mandar uma parcela da população para “chácaras filantrópicas de recuperação” não resolve tudo, pelos seguintes motivos: não se deve misturar menores com adultos; estas casas de recuperação, na sua totalidade, não têm apoio médico/enfermagem para dar medicamentos, exames, consultas etc; não aceitam abordagem médica dos problemas; não aceitam que muitos toxicômanos são também doentes mentais ( hiperativos, depressivos, bipolares, ansiosos, epilépticos, psicóticos, oligofrênicos etc ); estão preparadas para aqueles casos – aproximadamente 20 % do total – de pessoas “normais” que se enveredaram na dependência por hábito, amigos, curiosidade, diversão, e, tão logo afastadas das drogas, por longos períodos, passam a melhorar, mesmo sem assistência médica.
Os que são doentes, mesmo que passem um ano longe das drogas, uma vez egressos das chácaras, irão recair na dependência. Não há, pois, instituições governamentais, ou filantrópicas, que, dentro da cidade, ofereçam apenas ocupação, uma horta, granja, frutas, plantas etc para aqueles – de fato doentes mentais, os “verdadeiros” toxicômanos – que saem de uma internação hospitalar e são “jogados” na rua de volta, para dentro de poucos dias estarem batendo de novo às portas dos hospitais.
Basta que haja uma só autoridade que se interesse e o problema melhora muito. Por exemplo, em Anápolis, há o Dr. Carlos Limongi, juiz da infância, funcionário público exemplar que, de fato, pega o boi pelo chifre e melhora a situação de muitos dependentes. Exemplo praticamente único dentro da constelação dos chupins públicos do blá-blá-blá pagos com régio salário de marajá. Na área de menores de 17 anos, na qual atuo, o problema hoje não é a falta de hospital, há o nosso ( Asmigo ) – o que falta é o governo atuar na parcela mais simples do problema, e, por incrível que pareça, não atua: um terreninho, uma hortinha, para o pós-alta. Será que é pedir muito?

Marcelo Caixeta é médico psiquiatra.

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2 comentários:

  1. Ao meu ver precisamos de uma política mais austera por parte das autoridades.
    Abraços forte

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  2. Quanto aos outros países que lidam com esses problemas de drogas, eu não sei, isso é problema de cada um deles. Mas eu moro no Brasil, sou brasileiro e para acabar com as drogas - ou pelo menos diminuir bem o número de viciados - só há uma saída: o interesse pela leitura, porque somente esse hábito saudável formará pessoas de grandes opiniões e pensarão duas vezes antes de ingressarem nesse mundo sem volta e assim não serão facilmente manipulados por aqueles que se acham os donos do mundo.

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