sexta-feira, 2 de julho de 2010

Metamorfoses





Caríssimo e curioso missivista, por aqui, na mesma. Já que Deus é brasileiro, a gente daqui vive de destruir a obra Eterno, crente de saber que sua generosidade sempre virá corrigir as emendas e consertos humanos. Disto ninguém duvida. É sabido que Deus criou o mundo, mas deu aos cirurgiões plásticos e aos publicitários e agentes de comunicação o encargo de aperfeiçoá-lo. Não raras vezes, refazê-lo. É o que sucede nos correntes dias de futebol e política. O normal na momice do carnaval vira cena diária.
As máscaras vão sucedendo os rostos, os trejeitos e esgares vão tomando o lugar das antigas expressões. E a metamorfose faz velhos ogros, antigas bruxas de aparência parva e afeiçoados grosseiros amanhecerem com asas fosforescentes de borboleta. Um puxado aqui, um botox ali, um lifting em outra parte e a pupa original vai desentranhando a libélula ou mariposa para a luz dos olhos embevecidos. É claro que isso é invencionice da natureza. É pura arte (e manha) humana. Assim como um Cristiano Ronaldo ou um Cacá ocupa a tela inteira da alta definição, mesmo quando erra a jogada, no gramado político, as luzes revelam o atleta jocoso que por trás do maquiado rosto, da adoçada voz, do ameigado olhar vai enfeitiçando a turba com promessas e paraísos e edens. Como vê, nada mudou por aqui. Antes foi se aperfeiçoando a antiga farsa. Nestes dias, a felicidade é geral. Enquanto as enchentes arrasam a república das cestas básicas, policiais, professores e outras categorias fazem greves, paralisações durante os jogos da Copa do Mundo de Futebol. Mata-se no trânsito, mata-se às escondidas, desaparecem mulheres sem qualquer lirismo e, quando retornam já são cadáveres. Depois tudo vira estatística. Se dermos crédito às estatísticas de diminuição da violência e dos crimes, vamos descobrir que os mortos estão renascendo mais cedo do que promete a metempsicose. Depois, com a quantidade de polícias, juízes, promotores de justiça, corregedores, investigadores e peritos não resta lugar para marginal, todos os postos estão ocupados e nenhum anti-social se atreve a vir a à rua sem dar de cara com um homem da lei. Se, ainda que por acaso, um se atreve a cometer o delito, escapando à vigilância dos defensores da sociedade, logo estará em maus lençóis.
Agarrado, processado, julgado e colocado em pedagógica purgação, para não mais atentar contra nossa paz nazarena. Por isso, as vítimas e seus parentes órfãos, desirmanados, desconjugados ou desfiliados não precisam chorar, nem bater às portas dos distritos e juizados e tribunais. Com muita certeza, o fato infeliz, logo será esquecido. Talvez vingue na memória de uma melodia funque, pagode ou samba. Depois da copa do futebol, virá a das eleições, depois os desfiles de carnaval. Lavaremos as mágoas. Nada de pesar. Como um rio já cantado a vida irá passando. Só enchentes de cor e luz, só o vôo das borboletas em sua soberba glória de bisturi e silicone. Queria que visse isso. Talvez se animasse a desembarcar em nossa futurosa terrinha. Até breve.

Aidenor Aires.

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Um comentário:

  1. Verdadeiro e atualizado o artigo, só que as pessoas se esquecem de que o DNA não tem substituição, então, quando vence seu tempo, o visual pode estar em cima, mas ele encerra suas atividades da mesma forma, só que as pessoas vão desta prá melhor(ou pior) com aparência mais jovem e bonita.

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