segunda-feira, 12 de julho de 2010

Crianças não são bichinhos de estimação



As necessidades de uma sociedade que perdeu-se justamente pela submissão às exigências de determinadas estruturas de poder, que colhe seus resultados pelo investimento feito contra a subjetividade na construção das referências pessoais. Aí estão visíveis, lamentavelmente, os elevados índices de “transtornos psicológicos ou psíquicos” em crianças; pouco importa o termo adequado, pois, para quem carrega em seu corpo profundos conflitos, o que passa a valer não é qualquer base teórica, mas, sim, a necessidade em negociar dores que dilaceram, principalmente, quando as palavras não podem dar sentido ao que está sendo tão intensamente sentido no universo infantil, cuja linguagem fala muito mais alto que quaisquer agrupamentos de fonemas ou outras dessas construções semânticas que, nada mais são, senão “verdades” construídas pelos que necessitam gerar alívio aos sentimentos de culpa daquilo que está mal elaborado, mas que não pode ser compreendido como o falível que cada um de nós temos (há em cada um de nós um imenso Haiti). Isso vai das mais superficiais construções, até mesmo, as relações de sufocantes casamentos, cujo contrato deveria vir com a inclusão de um plano funerário, afinal, a sensação de morte iminente, imbuída em determinadas relações, desencadeia um longínquo e pesado processo de deslocamento daquele que deixa de ser, para tentar sentir-se vivo e presente no outro, mesmo que sejam seus filhos, crianças que, atualmente, carregam medos tão intensos que a morte deixa de ser uma mera brincadeira de morto-vivo, tornando-se manifestações do desespero mais intenso diante de iminentes sentimentos que, quando não compreendidos, trazem aos pequenos corpos a apavorante sensação da mais profunda falência da existência, sendo tais manifestações tão intensas que as transformam nos mais “novos doentes” construídos pelos adultos em suas atuais exigências, principalmente, as não vividas, ou então, aquelas que, basta sensatez para compreender a necessidade do fim como algo amplamente benéfico a duas pessoas, pois, se continuarem tentando ser uma só, não chegaram a nenhuma porção e, o pior, ainda destruirão quem ainda é um inteiro num universo de sonhos, fantasias e verdades não forjadas: nossas crianças.
Quando há, por parte dos pais, a intenção em colocar as crianças em processo terapêutico, ou mesmo, recorrer a outros instrumentos, para que as mesmas possam compreender os divórcios ou rupturas, torna-se necessário pensar, em primeiro lugar, quem realmente está precisando ser terapeutizado, afinal, nesse momento, cuja dor é particularmente intensa aos filhos, o que eles mais necessitam não são de técnicas ou abordagens, mas, sim, em saberem que o pai e a mãe prosseguem no investimento de amor, afeto e cuidados, acreditando em suas vidas, em seus sonhos e fantasias, sendo esses últimos, quando, nutridos pela participação dos pais, as bases para projetos de vida de nossos filhos.
Precisamos compreender que não são os medos quanto às incompreensões dos filhos em relação à separação que promove o deslocamento, mas, sim, o forte sentimento de culpa, representado nas dúvidas e inseguranças pessoais dos adultos.
Acredito ser um mecanismo altamente tirano, “matar” primeiramente o casamento nos filhos, para que, mais tarde, os pais possam se sentir aliviados ou menos propensos aos medos que eles próprios definiram. Por isso, terapeutizar pode representar um caminho, entretanto, quando não estabelecido como saída para responsabilidades que são dos adultos, ex-marido ou ex-esposa, pai e mãe.
As crianças, quando são arremessadas de forma inconsequente pelos pais em um processo terapêutico, cuja finalidade é compreender a separação, em primeiro lugar, constroem que são elas, filhos, os grandes responsáveis e não a família que está com severos problemas, reforçando assim, ainda mais, o sentimento de fracasso e derrota que as fazem sofrer, intensificando, dessa maneira, os medos e o estresse, sendo tais, um passo para outras derivações de incômodos ou transtornos emocionais.
A primeira coisa que uma criança necessita saber ao chegar num consultório, trazida pelos pais, é que elas não são doentes, nem mesmo responsáveis pela decisão do casal, e que, abertamente, são os pais que necessitam estar ali para que possam assumir suas decisões sem deslocar ou projetar nos filhos algumas de suas culpas para sentirem-se aliviados. Não dá para tratar crianças como bichinhos de estimação, muito menos, vê-los como troféus ou trunfos para utilizar no momento de falar em dinheiro ou vingar-se do que está mal resolvido.
É necessário compreender que os problemas emocionais das crianças refletem o que está sendo vivido dentro da família e, a mesma, em muitos momentos, torna-se uma fábrica cruel de neuroses, afinal, construir um ser adoecido em algumas situações promove a sensação de alívio e culpa, constituindo dessa forma, sobre uma determinada pessoa, o “núcleo psicopatológico”, para que possa, sobre o mesmo, serem atribuídos todos os fracassos das relações.
As crianças precisam ser respeitadas, e não sujeitas à desonestidade emocional dos pais, que deslocam e projetam sobre as mesmas responsabilidades e escolhas próprias de adultos, completamente inadequadas às etapas de desenvolvimento infantil.
*Sugestão de leitura: “Protegendo seus filhos da alienação parental.” (Dr. Douglas Darnall)

Marcus Antonio Britto de Fleury Junior (ateliedeinteligencia@gmail.com)

Comente o texto no blog ou no dihitt.

Um comentário:

  1. Bom texto.
    O que falta é uma base pros pais poderem educar os filhos. Sera que nao tem curso disso?

    ResponderExcluir