Apenas em 2013,
cerca de 200 milhões de pratos sem glúten foram pedidos em restaurantes
americanos, segundo a NDP.
Milhões
de pessoas, em todo o mundo, estão abrindo mão do glúten. O jornalista da BBC
William Kremer é um deles. Ele tem suas razões para ter deixado de comprar pão
e bolos tradicionais. Mas ele não tem certeza do porquê de tantas pessoas
estarem cortando esse alimento de suas dietas, como ele pondera abaixo:
É assim
que você se livra do glúten na sua vida. Primeiro, tire todos os pães, farinhas
e cereais matinais de trigo do seu café da manhã. Em seguida, jogue fora todos
os potes de manteiga ou geleia que estavam abertos, porque pode haver migalhas
de pão ou bolacha neles.
Além
disso, chame seus amigos para acabar com todas as cervejas que você tenha em
casa. Milhões de pessoas estão fazendo isso e muito mais à medida que estão
convertendo seus corpos em áreas livres de glúten.
Apenas
nos Estados Unidos, cerca de 70 milhões de pessoas – ou 29% da população adulta
– garante que está tentando cortar o consumo de glúten, de acordo com um
levantamento divulgado pela empresa de pesquisas NDP.
Já no
Reino Unido, 60% dos adultos já compraram um produto sem glúten, de acordo com
dados do site de pesquisas YouGov, e em 10% dos lares há alguém que acredita
que glúten faz mal para a saúde. Foi assim que a minha casa passou a fazer
parte desses 2,6 milhões de lares. Em fevereiro, o meu filho Sam, de 21 meses,
contraiu o que parecia ser um vírus. Eu e minha mulher nos revezamos para lidar
com o vômito e a diarreia, na expectativa de que tudo fosse melhorar em alguns
dias.
Mas
semanas se passaram e isso não aconteceu. Sam começou a perder peso. No banho,
podíamos ver suas costelas em cima da barriga, que estava inchada como um
balão.
Ele
parou de andar e não conseguia mais ficar de pé – sua personalidade animada
começou a desaparecer. Ele gritava com estranhos e se recusava a nos olhar nos
olhos. Dia e noite, nossa casa estava imersa em canções de ninar de vídeos do
YouTube – a única coisa que parecia animar Sam.
Um dia,
na área de emergência de um hospital, um pediatra mencionou pela primeira vez
algo que eu nunca tinha ouvido falar: doença celíaca. Um exame de sangue e uma
biópsia confirmaram que meu filho tinha essa doença autoimune que é causada
pelo glúten, um conjunto de proteínas.
O
glúten pode ser encontrado no trigo e proteínas muito semelhantes estão
presentes na cevada e no centeio. Segundo os médicos nos disseram, até mesmo
uma migalha de pão pode desencadear os sintomas de Sam.
Dificuldades
Vou
dizer isso do melhor jeito possível, mas o Sam é um retrocesso evolucionário.
Volte no tempo 10 mil anos e todo mundo estava numa dieta sem glúten. E então
eles começaram a cultivar a terra: uma revolução agrária que deu à nossa
espécie tempo livro para construir civilizações e desenvolver cultura e
tecnologia.
Os
seres humanos têm muito a agradecer ao glúten. Ele transforma o pão em um
produto mais suave ao fazer com que a massa cresça durante a cocção.
Mas ele
é a única das proteínas que não pode ser decomposta totalmente pelo corpo
humano e transformada em aminoácidos. O máximo que conseguimos fazer é
dividi-lo em cadeias de ácidos chamados peptídios.
Eles
normalmente passam pelo corpo da maioria das pessoas. No entanto, os sistemas
imunológicos de celíacos (pessoas que sofrem do transtorno) são geneticamente
predispostos a vê-los como micróbios invasores.
Uma
guerra começa e há vários efeitos colaterais: uma redução das vilosidades
intestinais, dobras que cobrem o intestino delgado e são responsáveis por
absorver os nutrientes e levá-los até o fluxo sanguíneo. À medida que se
atrofiam, sua superfície diminui e não faz seu trabalho como deveria.
Dieta em moda
A
doença celíaca é bem comum. Ela afeta cerca de 1% das pessoas do mundo
desenvolvido, de onde se têm dados. Mesmo com essa abrangência, isso não
explica a crescente popularidade da dieta sem glúten.
Segundo
a empresa de análise de mercado Mintel, 7% dos adultos britânicos evitam o
glúten por conta de alergia ou intolerância (estritamente falando, a doença
celíaca não é nem uma coisa nem outra) e mais de 8% o evitam por conta de um
“estilo de vida saudável”.
A
opinião de que o glúten faz mal não apenas para celíacos, mas para todo mundo é
apoiada por uma corrente de blogueiros, nutricionistas que vendem best-sellers
e famosos. Um levantamento da Mintel estima em US$ 9 bilhões o mercado
americano de produtos sem glúten.
Uma
análise nas buscas on-line nos últimos anos sugere que o aumento do interesse
nas dietas sem glúten tem pouco a ver com uma crescente consciência sobre o
celíaco e está muito mais relacionado à popularidade de dietas como a “paleo”,
que busca um retorno à Idade da Pedra no que se refere a hábitos alimentares.
Mas
muitos acabaram se interessando pelo conceito de abrir mão do glúten pela
simples razão de acreditarem que isso as fará se sentir melhor, pelo que
percebi nas conversas com visitantes de uma feira de alimentação em Londres, a
Allergy and Free From Exhibition, dedicada a alimentos que causam alergia e
dietas alternativas como vegetariana e vegana. Muitos dos 35 mil visitantes
buscavam informações ou produtos ligados a dietas particulares específicas.
Mas, como me disse o diretor do evento, Tom Treverton, é cada vez mais comum
achar pessoas “que querem cortar algo de sua dieta por outra razão – não porque
são alérgicas, mas porque se sentem melhor quando o fazem, e acreditam que isso
seja saudável”.
Muitas
das pessoas com quem conversei tinham preocupações genuínas com a saúde.
Encontrei celíacos que estavam ali em busca de um pão ou uma cerveja (sem
glúten) decentes, mas falei com um número ainda maior de pessoas que se
descreveram como “intolerantes a glúten”.
Elizabeth
Jones, por exemplo, me contou que começou a sofrer de intolerância a glúten aos
15 anos. “É muito constrangedor aparecer em um evento social com os lábios ou a
cara inchada”, disse ela.
Ela
cortou glúten e outros alimentos de sua dieta – a lista incluía sementes de uva
– o que pareceu ter aliviado os sintomas.
Outra
mulher, Debra, de Hertfordshire, costumava sofrer de refluxo gástrico. Ela
testou negativo para doença celíaca, mas um nutricionista do hospital
recomendou que ela cortasse glúten de sua dieta mesmo assim.
Ela é
enfermeira especializada em gastroenterologia pediátrica e me disse que sua
situação melhorou; ela disse também que entre seus pacientes havia várias
crianças que não apresentavam danos nas vilosidades intestinais – e que,
portanto, também não sofriam de doença celíaca –, mas que, como ela, tiveram
uma melhora em sua condição quando pararam de comer glúten. Médicos
especialistas acreditam que é hora de ampliar o espectro do que são
considerados problemas causados pelo glúten, que abarcaria desde a doença
celíaca como também a sensibilidade ao glúten.
O médico
italiano Alessio Fasano, diretor do Centro de Pesquisas Celíacas nos Estados
Unidos, é um grande defensor dessa visão. Em 1993, ele assumiu o departamento
de gastroenterologia pediátrica na Universidade de Medicina de Maryland. Ele
era um médico jovem vindo de Nápoles, onde ele atendia ao menos 20 ou 30
crianças por semana com doença celíaca.
Mas nos
Estados Unidos, a história era outra: “Passavam-se dias, semanas, meses e eu
não atendia nenhum caso sequer.” Depois, ele percebeu que o problema era uma questão
de diagnóstico malfeito.
Mesmo
diante do ceticismo de seus colegas, ele fez um estudo com 13 mil pessoas que o
ajudou a mudar os dados: a prevalência de um celíaco para 10 mil pessoas passou
de um para cada 133. Sua clínica agora atende mais de mil pacientes por ano.
Diferentemente
de alergia ao trigo, a sensibilidade ao glúten não tem uma série de
biomarcadores conhecidos e, por isso, os médicos não podem saber se o paciente
sofre desse problema com um simples teste – há um exame de sangue, mas os resultados
são imprecisos para muitos pacientes.
Assim,
essa doença só pode ser diagnosticada ao se eliminar outros problemas e, em
seguida, testar uma dieta sem glúten. Mas, para Fasano, ainda que o glúten não
tenha valor nutricional em si, fazer uma mudança radical no que se come sem a
ajuda de um especialista é péssima ideia.
“Deixar
de ingerir glúten te priva de muitos elementos-chave em sua dieta, como
vitaminas e fibras, fundamentais para uma nutrição equilibrada.”
Exageros e generalizações do glúten
Dois
livros muito populares, Barriga de Trigo, de William Davis, e Grain Brain
(Mente de Grãos, em tradução livre) de David Perlmutter, têm sido especialmente
importante para alertar os americanos sobre os “perigos” do glúten.
Ambos
fazem referências à pesquisa de Fasano, mas o especialista diz que os dois
livros estão cheios de exageros e generalizações. “O glúten e os carboidratos
estão destruindo seus cérebros”, se lê na obra de Perlmutter.
Frustrado
com a cobertura sensacionalista, Fasano publicou seu próprio livro no ano
passado Gluten Freedom (não lançado em português), coescrito com Susie
Flaherty. Ele diz que comer glúten não oferece risco a pessoas fora do espectro
dos transtornos ligados ao glúten – e a maior parte dos especialistas concorda
com ele.
Outro
livro pulicado sobre o tema é The Gluten Lie (A Mentira do Glúten, em tradução
livre), de Alan Levinovitz. É estranho pensar que Levinovitz tenha entrado
nesse debate, visto que ele é um especialista em religião e literatura.
Mas ele
diz que vê essa moda contra o glúten como uma combinação entre os poderosos
mitos de um paraíso passado com uma atitude anticorporativa contra a indústria
alimentícia.
Levinovitz
diz que não é a primeira vez que um tratamento para celíacos entra na moda. Já
ocorreu nas décadas de 1920 e 1930, quando médicos – que ainda não sabiam do
papel do glúten na doença – receitavam uma dieta de banana e leite,
suplementada com caldos, gelatina e quantidades pequenas de carne.
Muitos
dos famosos que abandonaram o glúten, como Gwyneth Paltrow, Miley Cyrus e
Victoria Beckham, dizem que eliminar a proteína de suas dietas não foi algo
feito por diversão, mas que têm intolerância.
“Os
principais defensores dessa dieta fazem isso porque ela genuinamente funcionou
para eles”, diz Levinovitz. “Então talvez haja algumas pessoas que não tenham
sido diagnosticadas como celíacas ou alguém que não seja celíaco mas tenha
sensibilidade ao glúten. Mas essas histórias viraram uma boa de neve e abarcaram
toda uma comunidade de pessoas que pensam “ah, se funcionou para o meu amigo,
também vou tentar”.
“E tem
o efeito placebo (psicolóogico), combinado com o fato de que você não está mais
bebendo cinco cervejas toda a noite, e por isso se sente melhor, e acha que tem
a ver com o glúten.”
Em seu
livro, Levinovitz também fala do efeito “nocebo”: a ideia de que se você
acredita que algo pode te fazer mal, isso pode realmente te causar efeitos
negativos.
Pode
ser que grande parte dos americanos estejam sob o que médicos chamam de “doença
sociogênica em massa” quando se trata de glúten? Bom, o que se pode dizer é que
as pessoas não gostam que lhes digam que a doença está na cabeça delas. E
Levinovitz sabia que seria bastante criticado por seu livro. Mas não esperava a
quantidade de e-mails de ódio que recebeu.
“Se
alguém diz: ‘Olha, acabaram de descobrir que Plutão não é um planeta’, ninguém
se ofende, apenas dizem: ‘Ah, não? Genial!'”. Mas ele diz que falar para as
pessoas sobre mitos da comida é como atacar a identidade delas. E, para ele, a
moda da dieta sem glúten não é uma dieta sem perigos.
Muitos
pacientes que sofrem de distúrbios alimentares contam que começaram a ter
problemas justamente com as dietas que excluíam algum alimento. Há provas que
sugerem que uma ansiedade extrema sobre o que comemos pode levar a sintomas que
não são tão diferentes daqueles da sensibilidade ao glúten.
Mas ao
menos agora a doença celíaca não é mais um tabu nem algo totalmente
desconhecido. À medida que cresce, meu filho vai se beneficiar de uma
quantidade jamais vista de produtos alimentícios para os celíacos.
E
também é fantástico entrar em um restaurante e as pessoas saberem do que você
está falando quando explica que seu filho é celíaco. Mas se por um lado eu
nunca recebo olhares tortos, eu às vezes pego uma troca de olhares sarcásticos
entre funcionários.
Quando
minha mulher explicou a doença de Sam para um chef, ele disse: “Oh, então ele
não pode mesmo comer glúten. A maioria das pessoas muda de ideia quando eu
mostro as opções para alérgicos e acaba pedindo algo do cardápio normal”.
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