Após uma
tentativa de suicídio, Richard, com pouco mais de 40 anos, recebeu indicação
médica para fazer terapia. Ele nunca havia tido qualquer tipo de contato
sexual. Semanas após o início do tratamento, o paciente obteve um diagnóstico.
Ele tinha o chamado “Transtorno de Aversão Sexual”, caracterizado por rejeição
extrema e persistente a todo tipo de contato genital com outra pessoa.
“A mera
ideia de um ato sexual gera asco, repulsa e ansiedade na pessoa. Ela se sente
ameaçada e passa a sentir um medo muito intenso, por isso faz o possível para
evitar todo tipo de contato”, disse à BBC o psiquiatra Martin Baggaley, diretor
do Centro de Saúde Mental do hospital South London and Maudsley, em Londres,
Reino Unido.
O
transtorno é descrito no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
ou DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em tradução
livre), conhecido como a “bíblia da psiquiatria”, e na Classificação
Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS). As duas
publicações são referência no mundo da saúde para o diagnóstico de doenças.
“O
critério para fechar diagnóstico é: não ter desejo incomoda? Sabemos que
existem abstêmios, chamados assexuados. Não sofrem, não se preocupam. A libido
provavelmente está depositada em outra área, na carreira, num projeto de vida,
numa obra social. Então, se não incomoda, não vamos categorizar como uma
doença”, disse Carmita Abdo, psiquiatra e professora da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (USP). “Mas se a pessoa tem aversão, muito provavelmente
vai se incomodar, porque o sexo está em toda a parte”, disse Abdo.
De onde
vem?
Este
parece ser o caso do paciente William. Durante as sessões de terapia, ele
revelou que sua mãe era alcoólatra e promíscua. Ela flertava frequentemente com
os amigos do filho e tinha sido infiel ao marido (o pai de William) várias
vezes. Quando William tinha 12 anos, seu pai cometeu suicídio. Em algumas
ocasiões, contou o paciente, a mãe tinha tentado seduzi-lo. O caso de William
foi um entre 144 incluídos em um relatório feito pelo especialista americano
Patrick Carnes, autor de vários livros sobre transtornos sexuais.
O
trabalho identificou, entre pacientes diagnosticados com o Transtorno da
Aversão Sexual, alguns pontos em comum. Por exemplo, eles tinham históricos de
depressão, além de terem sofrido tipos específicos de abuso.
A
aversão estaria relacionada a “experiências traumáticas na infância, famílias
desestruturadas, agressões na vida adulta, exposição a sistemas educacionais e
morais restritivos e com visão negativa da sexualidade, o que gera medo e
repulsa na pessoa”, disse à BBC Modesto Rey, ginecologista da Sociedad Española
de Contracepción.
Além
do Sexo
Os
efeitos desse transtorno não se limitam ao plano sexual, explicam os
especialistas. “É um problema para os que sofrem (do transtorno) porque podem
querer estabelecer relações sentimentais duradouras com outras pessoas, mas não
conseguem”, disse John Dean, ex-presidente da International Society for Sexual
Medicine (Sociedade Internacional de Medicina Sexual, ISSM na sigla em inglês).
Em
alguns pacientes, ele pode dificultar até interações sociais mais básicas. Como
no caso da paciente “G”, que decidiu, aos 39 anos, procurar terapia no Center
for Healthy Sex (Centro para o Sexo Saudável), em Los Angeles, Estados Unidos.
Ela nunca havia tido relações sexuais.
A fobia
sexual que desenvolveu fez com que se isolasse de tal maneira que ela passou a
evitar eventos sociais e situações em que homens pudessem estar presentes. Não
se preocupava com sua aparência física, não tomava banho e usava roupas velhas
e gastas. “G” havia sofrido abuso sexual na infância.
Estatísticas e
Tratamento
Há
poucos estudos científicos sobre esse transtorno, o que dificulta a
identificação de um perfil do paciente que tem o problema, segundo
especialistas. É provável que o número de pessoas afetadas seja maior do que se
pensa, disse o psiquiatra Baggaley. “As pessoas sentem muita vergonha (de falar
sobre) esse assunto”, explicou ele.
A
professora da USP Carmita Abdo disse que, uma vez feito o diagnóstico, o
tratamento é feito à base de terapia sexual e, quando necessário, medicação. “A
linha de terapia sexual é breve, de base cognitivo-comportamental, geralmente”,
disse. “Quanto à medicação, depende da necessidade de cada paciente. Poderiam
ser indicados ansiolíticos ou medicamentos que favoreçam o interesse sexual, ou
ambos.”
O
ginecologista Modesto Rey, que também indica terapias de base comportamental,
explicou o princípio por trás da terapia: “Aborda-se o tema e as situações que
provocam medo de forma progressiva e, inicialmente, periférica.” Também podem
ser usadas terapias cognitivas, ele disse, “para que a pessoa reinterprete a
realidade que gera a ansiedade”. Outros especialistas sugerem que a solução
para o problema envolva tratamentos psicológicos de longo prazo, que levem o
paciente a entender as causas do transtorno para depois definir objetivos
futuros.
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É um transtorno pouco conhecido. No caso do rapaz, com esse histórico dá até pra entender melhor.
ResponderExcluirAbração