Essa semana a internet ficou em
polvorosa, devido a postagem de um médico no Facebook, que dizia entre outras
coisas “não merecer ser maltratado” por um faxineiro que o chamou de “você”, ao
invés de chama-lo de “doutor”! Toda a discussão sobre isso fez voltar à tona o
velho maniqueísmo brasileiro, dividindo tudo em médicos arrogantes ou povo
humilde.
O médico que gerou tal confusão
mostrou-se extremamente arrogante, tanto que foi criticado por inúmeros colegas
de profissão. Ele disse que o faxineiro foi rude e inadequado simplesmente por
se referir a ele por “você” e não “doutor”. O faxineiro não foi sem educação.
Não o tratou mal. Apenas não usou o título que o médico achou ser portador. E a
coisa piora.
Ele diminuiu o faxineiro,
chamando-o de ignorante, néscio (que é sinônimo de ignorante, mas pleonasmo não
tem a mesma gravidade que o uso de “você” para chamar um médico.) e sem
leitura. Eu, particularmente, não sabia que alguns diplomas tornava o dono
melhor que outras pessoas. Principalmente, pessoas que podem não ter tido as
mesmas oportunidades que você.
O sujeito ainda falou que
colocou o faxineiro no seu devido lugar, reclamando ao responsável pelo sujeito,
que segundo ele não tem noção de respeito e hierarquia. Brasil adotou castas e
ninguém me avisou? Por fim, ele disse que era doutor, por lei. E vou ter que
falar algo pra ele, que pode deixa-lo magoado, mas, não! Ele não é doutor por
lei. Não existe lei no Brasil que obrigue a população a chamar médicos de
doutores. Ele deve ter faltado a essa aula na faculdade.
Quando digo que muitos querem
usar “doutor” como pronome de tratamento, alguns ficam revoltadinhos. Porém, é
fato que tal título tem sido usado apenas para manter um status, não merecido,
diga-se de passagem. Não se escolhe, mais, profissão por ser algo que te faz
bem, e sim pelo status que ela vai te garantir. Tanto que os Conselhos Federais
de Fisioterapia e Enfermagem baixaram resoluções dando direito aos
profissionais neles registrados, de usarem o título de doutores, mesmo sem
doutorados. Ignorando solenemente a lei 9.394 de 1996 que estabelece as
diretrizes e bases da educação Nacional, além da portaria 2.264 de 1997 do MEC
que estipula os requisitos para validação de títulos de pós-graduações strictu
sensu, como o doutorado.
Outros profissionais,
principalmente advogados, usam, para justificar o “merecimento” de tal título,
uma Lei-Decreto, de 11 de Agosto de 1827). Isso mesmo, 1827. Da época do Brasil
Império. E agora, tomo a liberdade de citar o doutor (Com doutorado) Marco
Antônio Ribeiro Tura, que falou sobre isso: “A Lei de 11 de agosto de 1827,
responsável pela criação dos cursos jurídicos no Brasil, em seu nono artigo diz
com todas as letras: ‘Os que frequentarem os cinco anos de qualquer dos cursos,
com aprovação, conseguirão o grau de bacharéis formados. Haverá também o grau
de doutor, que será conferido àqueles que se habilitarem com os requisitos que
se especificarem nos Estatutos que devem formar-se, e só os que o obtiverem
poderão ser escolhidos para Lentes’.
Traduzindo o óbvio:
A) Conclusão do curso de cinco anos: bacharel.
B) Cumprimento dos requisitos
especificados nos Estatutos: doutor.
C) Obtenção do título de
doutor: candidatura a lente (hoje livre-docente, pré-requisito para ser
professor titular). Entendamos de vez: os Estatutos são das respectivas
faculdades de Direito existentes naqueles tempos (São Paulo, Olinda e Recife).
A Ordem dos Advogados do Brasil só veio a existir com seus Estatutos (que não
são acadêmicos) nos anos trinta.”
Antes que questionem a
autoridade do doutor Tura, ele é membro vitalício do Ministério Público da
União. Doutor em Direito Internacional e Integração Econômica pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Público e Ciência Política pela
Universidade Federal de Santa Catarina. Professor Visitante da Universidade de
São Paulo. Ex-presidente da Associação Americana de Juristas, ex-titular do
Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-titular da Comissão de Reforma do
Poder Judiciário da Ordem dos Advogados do Brasil.
Na procuradoria em que ele
trabalha, “doutor é só quem tem título acadêmico. Lá está estampado na parede
para todos verem. E não teve ninguém que reclamasse; porque, aliás, foi a
própria Ordem dos Advogados do Brasil quem assim determinou, conforme as
decisões seguintes do Tribunal de Ética e Disciplina: Processos: E-3.652/2008;
E-3.221/2005; E-2.573/02; E-2067/99; E-1.815/98.
Em resumo, dizem as decisões
acima: não pode e não deve exigir o tratamento de doutor ou apresentar-se como
tal aquele que não possua titulação acadêmica para tanto.”
Ficou claro? Então, os membros
da magistratura e do Ministério Público são tratados por Excelência. Senhoria,
é o tratamento adequado para Os delegados e advogados, públicos e privados. E
bacharel, é bacharel! Caso encerrado.
Pra finalizar, deixo aqui a
instrução contida no Manual de Redação da presidência da República, publicado
em 2002, que diz: “Acrescente-se que doutor não é forma de tratamento, e sim
título acadêmico. Evite usá-lo indiscriminadamente. Como regra geral,
empregue-o apenas em comunicações dirigidas a pessoas que tenham tal grau por
terem concluído curso universitário de doutorado.” E conclui que o tratamento
por senhor é suficiente nessas situações.
Como psicólogo, vou confessar
que o título de doutor só tem uma função: massagear o nosso ego. Nos dá um grau
de importância ser tratado por doutor. Porém, é apenas isso. Ao me chamar de
senhor, ao invés de doutor, a pessoa estará sendo educada da mesma maneira, e
sem se colocar abaixo de mim.
Não é uma formação que te faz
melhor que alguém. Você pode até ter certa importância em determinado contexto,
mas fora dele é apenas mais um e não merece ser tratado por doutor por causa
disso. Trabalho com diversos médicos, e nunca vi nenhum, por maior que fosse
seu cargo exigir ser tratado por doutor. Pelo menos, não de minha parte!
Portanto, fique tranquilo! Você
não é obrigado a chamar ninguém de doutor. Esse é um costume cultural
perpetuado por pessoas que precisam se autoafirmar através de seus cargos. O
pronome certo para bacharéis é “senhor”, sejam eles em medicina, direito,
psicologia, fisioterapia ou enfermagem. “senhor” é pronome de tratamento.
“doutor”, não!
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