quarta-feira, 2 de junho de 2010
Espelho, espelho meu...
Todos admitimos que crianças são seres em formação, mas poucos percebemos que diante do tempo eterno, a vida inteira somos eternos aprendizes. As sociedades primitivas entremeavam os ciclos com rituais de passagem, trazendo sempre à tona, por uma riqueza simbólica, as questões do nascer e morrer e as sucessivas transformações pelas quais somos submetidos enquanto seres vivos. As pessoas, individualmente, estão em constante processo de crescimento e amadurecimento e, mesmo sem a aura do mistério ou da magia, os ritos de passagem acontecem: aniversários, batismos, formaturas, casamentos, velórios. Cerimônias que nos ajudam a representar o indizível e nos preparam para suportar melhor a passagem de um estado de ser para outro.
Crescer e amadurecer requer uma preparação ritualística que vai além dos festejos e celebrações. É um momento de significação simbólica, um momento de decisão que pressupõe responsabilidade, momento de perdas e abandono de certos padrões de comportamento. Quando se fala em transformação é comum que ela venha acompanhada de sofrimento, dada a nossa dificuldade em vivenciar o luto. Isto é genérico, válido para diversas fases da vida, mas tomemos, por exemplo, os relacionamentos humanos que quando adoecem se sustentam pelo ódio, porque um, ou os dois, não conseguem transpor esse portal e compreender a separação. Cumprir os rituais, sair da posição de sofrimento, elaborar o luto, significa tomar as rédeas do próprio destino. É uma decisão entre ser ativo (sujeito da ação) ou passivo (objeto da ação). Por isso os rituais exigem preparação, discernimento e coragem. Ao final, podem servir também para elevação da alma.
Os mistérios que envolvem os ritos de passagem são vivências individuais, íntimas e intransferíveis e o risco que se corre é que a compreensão se prenda em uma simbologia de mãos e pés, esquecendo os aspectos mais profundos que norteiam a verdadeira iniciação. Ou ainda, que se tornem provas de resistência física ou de sofrimento, como acontecia entre os espartanos e tribos indígenas e africanas. Há sim um simbolismo e um significado profundo a ser apreendido, mas sem que seja realmente necessário oferecer seu corpo para chibatadas, mais próximo do fanatismo que da vontade de apaziguar-se com o sagrado.
A ordem e a disciplina são extremamente importantes para aprender com seriedade e profundidade qualquer ciência. Sem estes requisitos, o homem tem dificuldade de controlar seus pensamentos e uma imaginação desordenada e fantasiosa passa a ocupar sua mente. Galileu e Descartes consideram a razão como o único meio legítimo de se chegar à verdade, excluindo de certa forma o imaginário, muitas vezes confundido com o delírio e o fanatismo. Só há uma maneira de descobrir: colocar-se frente a frente consigo mesmo. O espelho serve para aqueles que se recusam a permanecer escravos dos seus próprios fantasmas, que não se deixam submeter passivamente à atuação das pressões psicológicas que carregam dentro de si, e que estão determinados a se tornarem os mestres da sua própria vida.
Todos esses processos, sejam na vida cotidiana, sejam nas nossas experiências mais íntimas, tem como meta o aperfeiçoamento do ser humano como uma contingência natural da evolução, a dinâmica do “vir-a-ser” em um padrão cósmico. Ao entender a expressão e o significado dos rituais de passagem o ser humano tem a chance de exercitar o equilíbrio físico, mental e espiritual, vivendo em harmonia. O homem que tem a consciência de si mesmo, nessas três dimensões, sabe da concretude dos seus pensamentos e reconhece o exercício responsável dos papéis sociais que escolheu desempenhar. Os revezes da vida, os encontros que acontecem no cotidiano servem de condição para o laboratório do aperfeiçoamento e desafio às potencialidades humanas. Há o sentimento profundo de vivenciar princípios o que permite uma mudança de comportamento em que se reduzem as contradições entre os nossos valores e a nossa ação, intensificando, consequentemente, a nossa leitura do mundo.
Kleber Adorno
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Postado por
William Junior
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19:48
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Muito bom o texto. Obrigada por indicar!
ResponderExcluirOlá querido William,
ResponderExcluirFelicito-o pelo brilhante texto que publicou.
Sim, somos eternos aprendizes pois a cada dia aprendemos coisas novas. A vida é inteira formada de conhecimnetos que vamos adquirindo no decorrer de nossa jornada. E, no texto, as palavras chaves estão exatamente na "ordem" e na "disciplina" que o ser humano precisa para o seu controle e organização para atingir o pleno conhecimento, fatores que irão moldar o seu comportamento.
Carinhoso e fraterno abraço,
Lilian
Show de texto. Também creio, que há aprendizagem enquanto há vida, enquanto existimos. O aperfeiçoamento, por vezes, é imensamente doloroso e tomar as rédeas do próprio destino, para alguns, ou para muitos, se mostra absurdamentem difícil, embora, creio, haja (nem que seja uma gota de) vontade de fazê-lo.
ResponderExcluirForte abraço.