O mundo é uma imensa caverna absolutamente tomada pelas trevas
de que são prisioneiros todos os homens. Acorrentados no fundo da caverna, os
homens veem longe uma luz que rasga o teto e sombras projetadas nas suas
paredes irregulares, sombras de deuses, de homens, de animais, de objetos. O
que os homens conhecem são apenas sombras disformes projetadas nas paredes da
caverna.
A caverna é a ignorância, a luz é o conhecimento.
O homem tem que se libertar de suas trevas. Mas as trevas são o
ambiente que o homem conhece, a sua segurança, por pior que seja a sua
circunstância. “Eu sou minha circunstância; sou o mundo que me circunda” diz
Ortega y Gasset.
Conformar-se é submeter-se às trevas.O mundo não se limita ao
entorno dos pés de quem o contempla. O umbigo não é o centro do mundo, ao redor
de que tudo gira e se conforma. É preciso ser senhor de seu destino e não
escravo de suas circunstâncias.
Como ser outro se na caverna as sombras protegeme nada é
necessário porque tudo é suficiente?
Não há maior segurança que nos líquidos do ventre materno. Mas a
mãeprecisa induzir o seu produto mais nobre a uma nova circunstância de riscos
e de oportunidades. Não há oportunidades nem conquistas sem riscos. O homem
nada é apenas sendo o que é.
A verdade não é a expressão de meras sombras distorcidas que
escorrem pelas paredes das cavernas em que nos refugiamos.
Sair da caverna significa libertar-se, romper limites, conviver com
o novo, ser outro a cada dia, aprender a aprender, perder, sofrer, temer,
superaros seus fantasmas, conquistar, inconformar-se com a sua circunstância,
buscar sempre nova circunstância.
A caverna está dentro de você. Liberte-se.Mas não basta o sair
da caverna, o conhecer a luz, o assumir a sua nova circunstância apenas
individualmente. O homem que se liberta das trevas deve voltar à caverna e
tentar libertar os que continuam prisioneiros das trevas.
“Governar é remediar os males alheios”, diz Sócrates. Portanto,
não pode governar aquele que tenha que remediar os seus próprios males e que
continue prisioneiro nas trevas da caverna imensa. Panta rei.
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