Os dois se chamavam José e morreram no
mesmo dia. Também foram enterrados no mesmo horário e no mesmo local. O
primeiro era milionário, dono de uma fábrica de armas. E o segundo era uma
pessoa simples, professor.
Para o velório do José Rico, milhares de
pessoas se aglomeraram no cemitério. Familiares e curiosos. Por sua situação
financeira e influência alcançada em vida, conseguiu autorização para ser
enterrado dentro do automóvel que adorava, uma relíquia que não deixou para os
herdeiros. A excentricidade do fato superou a dor da morte no ambiente. O local
do enterro lotou e senhas tiveram de ser distribuídas para organizar a
multidão.
A poucos metros dali, 14 pessoas sentadas
lamentavam a morte do outro José. Seu pedido à família foi para que fosse
enterrado com dois objetos: a foto da esposa e dos filhos e o livro preferido.
O legado do José empresário, homem do ramo
bélico, ninguém sabia. Mas de sua fábrica saíram armas que feriram e mataram,
ao longo de quatro décadas e meia, mais de oito mil pessoas em várias partes do
mundo. Nos comentários durante o velório, porém, destacaram-se a construção de
seu império, a geração de empregos diretos e indiretos e a contribuição da
fábrica ao PIB.
O José professor, em três décadas de
trabalho ininterrupto, formou 1,8 mil jovens. A maioria virou médico,
arquiteto, funcionário público, trabalhador doméstico, advogado, engenheiro e
educador também. Poucos não concluíram os estudos e uma minoria terminou presa
após cometer delitos ou foi morta pela violência urbana.
O enterro do primeiro foi como um show.
Todos se apertaram para registrar a imagem do carro descendo pelas alças presas
a um guindaste, com o corpo lá dentro. Instantaneamente as fotos foram
compartilhadas pelos celulares e se tornaram viral. E em uma cidadezinha do
interior do Brasil, no mesmo horário, um homem matava a companheira com a arma
produzida na fábrica do José milionário.
O caixão do José professor, parcelado em
seis vezes, foi fechado após as últimas lágrimas da família. Um enterro rápido,
em silêncio e sem qualquer repercussão. Mas muito triste. No mesmo horário, em
uma universidade, um ex-aluno do docente recebia o diploma de doutor. Em seu
discurso não citou o antigo mestre, apagado da memória com o passar do tempo.
E assim chegou ao fim mais um dia no
estranho planeta Terra, sem que ninguém percebesse as coisas importantes da
vida.
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