quinta-feira, 19 de março de 2015

Como se faz uma mulher

Foi muito sem querer, na festinha de aniversário de sua filha. Observando os presentes, minha amiga se deu conta de como uma mulher é feita. No aniversário de seu menino, outros presentes: jogos lógicos, carrinhos, livros. Sua filha recebeu bichinhos, bonecas, vestidos, estojos de maquiagem. Mulher é uma instituição histórica. Tal como a conhecemos, é muito mais costela da cultura que da natureza.
Ao menino jogos, carrinhos, livros. Quem fez de tais coisas objetos de varão? A cultura. Um quarto azul para ele, um rosa para ela. Jogos para o cérebro. Carrinhos de tecnologia. Livros para os saberes. Aliás, salvo os culinários, é mister manter as mulheres longe dos segredos. Na maçonaria, por exemplo. Ou na Igreja Católica, onde podem servir, rezar, limpar, bordar a estola e quarar o manutérgio. Tudo, menos participar da hierarquia. Para justificar essa declarada preferência de Deus pelo sexo masculino, a teologia produziu os mais estrambóticos silogismos.
Minha amiga observa os presentes de sua filha. Ela precisa ser meiga, doce, bonita. Essa é a idéia de menina que os convidados à festa reafirmam. A filha de minha amiga, mesmo sem saber de feminino e masculino, vai aprendendo a conformar-se – isto é adquirir a forma da fôrma – ao mundo pronto. Bonecas. Claro, maternidade. E, se por um descuido da natureza, ela não puder fazer-se mãe, terá de administrar a frustração imposta por si mesma, e pelo meio. Milhares de anos depois de Sara, não ter filhos ainda é um castigo divino. Um castigo não expresso, mas dolorosamente tácito e ácido, implícito e lícito. Ai das estéreis!
Mulheres bem sucedidas tornam-se devoradoras de homens ou fagocitam o masculino. Para vencer os machos, as armas de varões. Se muito femininas, perdem credibilidade e o cargo. Os homens usam ternos para serem respeitados, as mulheres terninhos. Prostituta ou santa. Sob o homem ou acima dele. Lado a lado não?
O mundo público é assaz masculino. É o mundo da razão, da lei, da guerra, da objetividade. Às mulheres o confinamento dos espaços privados. É preciso controle, e não apenas da fêmea como indivíduo da raça. Características femininas como a solidariedade e a amorosidade foram banidas da hierarquia e da lógica públicas. Destruição do meio ambiente, guerras, racionalidade muita, ternura pouca. É o império patriarcal.
Uma mulher não se faz sob jugo e desterro. Uma mulher se faz deixando-a bordar todos os tecidos sociais. Uma mulher se faz permitindo-a cozinhar tenra e ternamente política e ciência. Jamais haverá rosto humano sem a face feminina.
Mulheres, que dão à luz, amamentam e, ainda, educam meninos e meninas, mais do que ninguém, sabem: pequenos gestos podem estar grávidos de grandes mudanças. E, se o sonho de um mundo diferente para seus filhos tornar-se causa de insônia, podem começar a pensá-lo na próxima festinha de aniversário.
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