Foi muito sem querer, na festinha de aniversário de sua filha.
Observando os presentes, minha amiga se deu conta de como uma mulher é feita.
No aniversário de seu menino, outros presentes: jogos lógicos, carrinhos,
livros. Sua filha recebeu bichinhos, bonecas, vestidos, estojos de maquiagem.
Mulher é uma instituição histórica. Tal como a conhecemos, é muito mais costela
da cultura que da natureza.
Ao menino jogos, carrinhos, livros. Quem fez de tais coisas objetos de
varão? A cultura. Um quarto azul para ele, um rosa para ela. Jogos para o
cérebro. Carrinhos de tecnologia. Livros para os saberes. Aliás, salvo os
culinários, é mister manter as mulheres longe dos segredos. Na maçonaria, por
exemplo. Ou na Igreja Católica, onde podem servir, rezar, limpar, bordar a
estola e quarar o manutérgio. Tudo, menos participar da hierarquia. Para
justificar essa declarada preferência de Deus pelo sexo masculino, a teologia
produziu os mais estrambóticos silogismos.
Minha amiga observa os presentes de sua filha. Ela precisa ser meiga,
doce, bonita. Essa é a idéia de menina que os convidados à festa reafirmam. A
filha de minha amiga, mesmo sem saber de feminino e masculino, vai aprendendo a
conformar-se – isto é adquirir a forma da fôrma – ao mundo pronto. Bonecas.
Claro, maternidade. E, se por um descuido da natureza, ela não puder fazer-se
mãe, terá de administrar a frustração imposta por si mesma, e pelo meio.
Milhares de anos depois de Sara, não ter filhos ainda é um castigo divino. Um
castigo não expresso, mas dolorosamente tácito e ácido, implícito e lícito. Ai
das estéreis!
Mulheres bem sucedidas tornam-se devoradoras de homens ou fagocitam o
masculino. Para vencer os machos, as armas de varões. Se muito femininas,
perdem credibilidade e o cargo. Os homens usam ternos para serem respeitados,
as mulheres terninhos. Prostituta ou santa. Sob o homem ou acima dele. Lado a
lado não?
O mundo público é assaz masculino. É o mundo da razão, da lei, da
guerra, da objetividade. Às mulheres o confinamento dos espaços privados. É preciso
controle, e não apenas da fêmea como indivíduo da raça. Características
femininas como a solidariedade e a amorosidade foram banidas da hierarquia e da
lógica públicas. Destruição do meio ambiente, guerras, racionalidade muita,
ternura pouca. É o império patriarcal.
Uma mulher não se faz sob jugo e desterro. Uma mulher se faz deixando-a
bordar todos os tecidos sociais. Uma mulher se faz permitindo-a cozinhar tenra
e ternamente política e ciência. Jamais haverá rosto humano sem a face
feminina.
Mulheres, que dão à luz, amamentam e, ainda, educam meninos e meninas,
mais do que ninguém, sabem: pequenos gestos podem estar grávidos de grandes
mudanças. E, se o sonho de um mundo diferente para seus filhos tornar-se causa
de insônia, podem começar a pensá-lo na próxima festinha de aniversário.
Comente este artigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário