Sob a
incontestável tempestade que abala a nação brasileira, alguns consensos podem
ser expressos: (a) a presidente conduz o governo sob critérios que dizia serem
cruéis e próprios de seus adversários de campanha; (b) há grande crise de
confiabilidade em relação a empresas como a Petrobras e à administração direta
e indireta; (c) o PT perdeu forças, enfrenta sérios conflitos internos e suas
relações com o PMDB estão estremecidas; d) o déficit público é uma cruel
verdade, exige uma política de austeridade entregue ao ministro da Fazenda e
que será fonte de conflitos nas ruas, tal como ocorreu em vários países
submetidos necessariamente à contenção de despesas públicas e aumentos
tributários; e) o ex-presidente Lula convoca temerariamente o povo às ruas,
como se fosse solução.
Além
disso, as soluções indutoras de um salto de qualidade e a saída consequente do
Brasil da crise se encontram encerradas numa zona cinzenta. O governo, sem
credibilidade, não encontra quadros para auxiliá-lo. A simples nomeação de um
ministro do STF se tornou um problema, não porque a presidente, obviamente, não
procurou fazer a indicação, mas porque não há nomes que queiram suportar tão
ingrata tarefa e os vinculados à administração não reúnem os requisitos
jurídicos e políticos necessários. E fidelidade canina numa Corte Suprema é
insólita.
Daí
mais uma certeza inabalável, ao lado de outros fatos corriqueiramente
registrados no âmbito dos três Poderes: vivemos uma das mais sérias crises
institucionais de toda nossa história.
Em tais
circunstâncias, todos os brasileiros que têm consciência da necessidade de
urgentes e profundas mudanças, propostas por ambas as correntes que disputaram
as eleições presidenciais, a situacionista sem crédito porque gerou o débito,
ficam no dilema: tais mudanças podem acontecer sem uma extrema mudança
política, dentro da qual se insere um instituto constitucional que se tornou
palavra feia: “impeachment”? Ou é possível uma pactuação política
solucionadora?
Os
defensores de nenhuma mudança constitucional e da apregoada normalidade e
segurança jurídica pregam respeito inabalável à duração do mandato da
presidente Dilma; e nada que infirme os direitos políticos adquiridos por
quaisquer atores pode ser cogitado de mudança. Isso significa que, antes de
praticamente quatro anos, não podemos iniciar qualquer reforma de nossa casa que
importe em abalo desses pilares.
Por
lógica elementar, se o outro meio de promover a “solucionática” se frustrar, se
o governo não conseguir liderar entendimentos e promover a saída do Brasil do
lodo onde se encontra chafurdado, em menos de quatro anos não teremos outro
destino senão o da amargura, do pífio crescimento industrial, do desemprego, da
ofensa à capacidade contributiva, do retrocesso dos direitos trabalhistas e de
um mundo político consequentemente conturbado.
O homem
é o senhor do tempo. Mais exatamente, da cronologia que ele criou, dado que o
tempo é algo móvel, fluido e abstrato, cujos instantes delineamos numa linha
imaginária para permitir a organização de nosso pensamento numa realidade
essencialmente movente. O homem é o senhor das instituições jurídicas e
políticas.
Os
modelos políticos e constitucionais do passado são altamente relevantes para
compreendermos o giro da roda da condução da coisa pública, mas não são
obrigatoriamente imutáveis. Cientistas do direito, assim como de outros ramos
do saber, debruçam-se diariamente nas nações civilizadas para encontrar meios
ordenatórios (jurídicos), que permitam ao homem e ao mundo um destino melhor.
Afinal, inobstante a sapiência dos institutos jurídicos nacionais e
internacionais construídos no passado, tal como a democracia, como a
conhecemos, e istemas elaborados, como o da divisão e harmonia dos poderes
estatais, não evitaram que o século 20 fosse o século das mais cruéis agruras
suportadas pela humanidade. De tudo quando resultou das experiências passadas,
não há como negar a excelência do regime das liberdades públicas e da contenção
dos poderes, porém, a partir daí, muito pode ser construído para inserir o
equilíbrio político universal e a realidade de cada país num plano valorativo
da dignidade e do bem estar de todas as pessoas humanas.
Daí
porque, se patenteado que este governo está despojado das mínimas condições
para dar um rumo ao Brasil, não há necessidade de aguardarmos placidamente, por
quatro anos, o sentimento das dores que poderíamos começar a superar num
período mais curto. O tempo não pode ser um dogma, assim como não pode ser
dogma a Constituição e até mesmo suas cláusulas pétreas. Tudo está aí para ser
debatido. Tome-se o voto secreto, direto e universal, uma das referidas cláusulas.
Provavelmente, não está na consciência da maioria do povo, dono do poder,
alterá-la. Nada, porém, é defeso à inteligência humana. E muitas outras, como a
própria Federação, ou arremedo de Federação, que temos no Brasil, podem voltar
a ser discutidas. O tempo de mandato idem, principalmente se for para o bem
coletivo, o que não representaria nenhum problema num governo de gabinete.
O
requisito básico a essa mudança civilizada, contudo, seria a compreensão do
partido da Ordem, do PT, que deveria abdicar de seu projeto de poder e
demonstrar minimamente algum senso de patriotismo. Aí é que entra o impossível
que curialmente impede a solução dos principais problemas humanos. Seria a
renúncia a pretensos direitos públicos adquiridos, sabemos que por meio do uso
da máquina pública e da cumplicidade com grandes empresas, mas que, como tais,
não são admitidos pelos atuais donos do poder.
A
incitação do povo às ruas para o conflito entre facções é o mais atrasado dos
métodos políticos, ao qual Lula recorreu. As consequências são imprevisíveis.
Porém, a história, não raro, nos dá lições preciosas, como retratou por arte
refinada um de seus maiores intérpretes, Shakespeare, ao expressar um vidente a
Júlio César o clássico “tome cuidado com os idos de março”. Os idos, na romana
antiga, correspondiam ao dia 15.
Comente este artigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário