Moralidade, decência, pudor,
honestidade - seja lá qual for o vocábulo da sua preferência - não é mercê de
quem governa. Também não é reverência aos que são governados. É muito mais: é
dever. Sem atavios, uns e outros não são sujeitos passivos da ética pública. A
ação de quitar obrigações tributárias e acolher as penalidades da legislação em
vigor dimensiona o padrão do sentimento moral coletivo. O sentimento comum de
impunidade, no entanto, é desintegrador da confiabilidade nas leis e nas
instituições nacionais. O pressuposto da corrupção é aquele que corrompe, num
tema que exibe duas bandas: uma e outra detestáveis.
No Brasil, certos políticos descobriram esse veio e dele se
valem com unhas e dentes como se fora um inestancável manancial de influência e
sedução. Afigura-se até que desejam mercadejar votos por intermédio de
acusações, muitas das quais não encontram quaisquer possibilidades de
prosperar. Anelam-se com apetite voraz de nouveau-riches. E a população
flagra-se ludibriada, uma vez que a bulha em derredor vai muito além dos reais
efeitos apurados. As CPIs divagam em torno de escândalos e vestem uma roupagem
de conteúdo moral que nem sempre responde ao que se espera da sua instauração.
Exceto as raras CPIs finalizadas e com efeitos legais, a impressão de perda de
tempo e de credibilidade supera em muito os resultados malbaratados.
As constantes denúncias provocam uma certa exacerbação
desconfortável que logo se traduz em malogro coletivo, porquanto muitas delas é
meramente permuta irresponsável de libelos interpessoais ou simplesmente a
intenção iníqua de atrair as luzes da TV para o denunciante ou denunciantes. A
delação em si pouco vale. A banalização da da política. Pior: o desdém pelo
direito cívico do voto.
A política brasileira já viveu tempos similares. Jamais, porém,
com semelhante conteúdo de descrença nas instituições nacionais. Há no ar a
sensação de que os poderes constituídos são moralmente tangíveis. O povo é
impelido a crer que a corrupção jaz institucionalizada. Pior: é praga rançosa e
possui gênese histórica. Nesta visão distorcida e nada alvissareira, o Brasil
foi e é paciente de atos de rapina executados por políticos e administradores
eleitos.
O Poder Executivo, sob a bandeira do PT, é uma escola de
impudência, onde nada foge aos encantos do compadrio imoral e obsceno. Inapto
para sustar a perda do significado moral, via aplicação da legislação vigente,
o Poder Judiciário deixa-se também ele contaminar pelas tentações. Mas não pode
ser assim.
As CPIs não podem trivializar-se e fazer soçobrar a
credibilidade: não basta a sua instauração para saciar o apetite de moralidade
pública. É forçoso esgotar as acusações e clarificar as suspeitas. Para tanto,
urge que os agentes do Ministério Público cumpram de fato as atribuições que a
Carta Magna lhes outorga. As controvérsias vociferam por objetividade. Nada
será mais danoso à causa da moralidade pública do que a vulgarização
ininterrupta das denúncias e o estouvamento no trato de reputações humanas.
No interior e por detrás dessa legítima sede de moralidade
avulta a presença de um moralismo engendrado, que não vai além da exploração do
desagrado com a política e os dirigentes do Brasil. Via expansão da classe
média, que apesar de crescente vivencia momentos de agudas dificuldades,
disseminou-se o moralismo mas banalizou-se a corrupção, que exige inquisição e
cuidados privativos. Transparência, zelo, competência e ética na gerência do
patrimônio nacional são indicadores saudáveis. No entretanto, não será através
de um moralismo exacerbado e sem peias que a bela Pindorama irá reconquistar a
crença nos homens públicos e no sistema democrático de escolha de governantes e
representantes nos colegiados legislativos de todos os níveis.
Não há de ser na traficância da moralidade e na futilização da
sequência de escândalos que o país haverá de se reencontrar com a convicção
democrática. A diligência na escolha dos governantes não carece de
intransigência, mas da diuturna vigília da cidadania e da sociedade. E esta não
se faz pelo denuncismo vazio e inconsequente. É preferível pensar antes,
enquanto há tempo, do que após o novo pleito que se avizinha de uma terra
inquieta pelo desalento moral e ético de seus concidadãos.
O que se afigura como crise política, caro leitor, não vai além
de mero simulacro. Crises não se reiteram como reprodução seriada: da vez
segunda convertem-se em pantomimas. O Brasil exauriu todos os recursos de
construir crises políticas e chimpá-las no campo institucional.
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