quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O sedentário hiperativo



Iguaim é um cidadão moderno. Trabalhador sedentário e hiperativo. Não tem outro jeito. Quem trabalha o dia todo em frente ao computador há que se conter com a diversidade de afazeres para se fazer sentado o dia inteiro.
Como uma aranha, Igauim passeia por diversas redes na tela mundial do computador, tornando-se um cosmopolita navegante no mar imenso da internet, repleta de informações (algumas delas equivocadas) e, vez por outra fica preso em outras teias dessa rede.
A modernidade se apresenta cheia de parafernálias da tecnologia, com apetrechos indispensáveis para facilitar a vida. Seu vislumbre requer danos físicos e psíquicos intensos. Todo trabalhador dessa estirpe possui uma saliência estomacal protuberante, que chega sempre primeiro que as demais partes do corpo. Com Iguaim não poderia ser diferente. A obesidade é um ganho moderno.
Antigamente não se via tanta notícia de tendinite, fibromialgia, depressões, transtornos bipolares e outros nomes complexos que não valem a pena citar aqui. Muitas doenças agregadas aos temperos sintéticos e alimentos enlatados repletos de conservantes são observadas nesse último século. O excesso das complicações de saúde também são ganhos da modernidade.
No meio de uma população intensa, qualquer bom cidadão se sente vazio, já que o individualismo é mola motriz dos interesses de cada cidadão. Pertencer a uma sociedade é fazer parte de um número, com diretos e deveres restritos aos seus interesses. Nas repartições, os serviços são prestados de tal forma que tudo fique bem controlado e comprovado. “O gado deve ser vacinado”. Por isso há tanto conflito. E de conflitos, a modernidade está bem mais cheia.
Iguaim também anda com medo de tudo e de todos, desconfia dos golpes na praça e entope sua casa com câmeras de segurança e equipamentos de segurança. No carro: vidros e portas fechadas. Nas ruas muitos se enclausuram por trás de óculos escuros e fones de ouvido para não dar conversa a mais ninguém. Antes, uma conversa era mais fácil de ser partilhada.
O sedentarismo é vício moderno, e esse mundo atual está cheio de manias estranhas. A hiperatividade parece ser uma necessidade de um tempo em que não há nenhum lapso a perder. Tudo é para já, em estágio acelerado. Antes, todo preparo deixava a espectativa do sabor mais intenso. A hiperatividade e o sedentarismo são também outros ganhos da modernidade.
Iguaim sofreu um ataque cardíaco fulminante. Não deu tempo de chegar até o hospital. Toda pressa que se tinha para ocupar o tempo foi desperdiçado pelos afazeres da vida. Num lapso de segundo o filme de sua vida correu ligeiro diante dos olhos e tudo pareceu um grande engodo, pois sempre quis conquistar alguns sonhos e sentir a calmaria distante da mansidão celestial. As agruras das pedras ceifaram parte de seu fôlego e as amarguras de suas feridas antigas nuncas se curaram para perdoar e ser perdoado.
Nós ainda estamos aqui, vivenciando fragmentos de tempo, corrompendo instantes que podem ser preciosos demais para deixar tudo o que é moderno dilapidar nosso ser. Ainda hoje podemos deixar no passado o que lá deve ficar. Ainda hoje podemos resgatar o tesouro de sonhos que outrora eram nítidos. Ainda hoje podemos tirar o peso dos ombros, o fardo galgado por tempos diversos e perdoar as próprias falhas. Pois a letra do lápis da vida não aceita borracha, não se digita Control Z mesmo na modernidade, mas as novas ações podem iniciar ciclos que consertam velhas etapas. No livro I Ching, o mais antigo do mundo, já se sabia que o perdão e o obrigado são segredos para a vitalidade da alma. Que você tenha tempo de resgatar suas preciosidades.


Leonardo Teixeira.(escritorleo@gmail.com)

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