sexta-feira, 24 de setembro de 2010
A retórica do clima
Aristóteles descreveu a retórica como um tipo de discurso em que se destaca a arte da persuasão. Não importa o assunto, o fundamental para um retórico é, valendo-se de todos os meios disponíveis, colocar a sua verdade dos fatos, de forma que ela também prevaleça para o seu interlocutor. Portanto, não é sem razão que, no tocante ao tema da mudança do clima global, diante de incertezas e dos múltiplos interesses envolvidos, o discurso seja predominantemente do tipo retórico. O desdobramento das denúncias envolvendo manipulação de dados e inclusão de informações de origem duvidosa no relatório do IPCC de 2007, que acabaram submetendo o órgão a uma espécie de auditoria, são provas disso.
As agendas relacionadas com o tema da mudança do clima global são bastante diversificadas, havendo, inclusive, algumas ocultas e/ou até mesmo inconfessáveis. Entre tantas, destaque para a busca de maior eficiência no uso de energia, a substituição da matriz energética convencional por fontes renováveis, a criação de fundos para financiamento do desenvolvimento sustentável dos países pobres, a formatação de acordos/protocolos/tratados sobre o controle/redução de emissões de gases causadores do efeito estufa, a economia de baixo carbono, etc. Todas, indiscutivelmente, envolvendo discursos retóricos e alegações diversas, buscando justificar comportamentos ou a negação em assumir compromissos, no contexto da construção de um novo tipo de governança que seja aceita mundialmente. A discussão sobre mudança climática surgiu no vácuo deixado pela queda do muro de Berlim (novembro de 1989), quando, internacionalmente, perdeu sentido a velha discussão polarizada entre capitalismo e comunismo. O mundo político e diplomático, com o fim da guerra fria, "precisava" de um novo debate que fizesse sentido e envolvesse toda a humanidade. Isso talvez explique como um assunto até então restrito aos domínios das especializações científicas veio, após a Rio 92, especialmente, a se tornar o foco principal de discussões sobre políticas públicas, desenvolvimento econômico e iniciativas diplomáticas variadas, na esfera internacional.
Não se trata de negar as mudanças induzidas pela atividade humana no clima global. Isso, aliás, não se discute mais desde o 4º Relatório do IPCC, liberado em fevereiro de 2007, quando ficou patente a nossa responsabilidade pela alteração na composição da atmosfera terrestre (elevando a concentração dos gases de estufa) e os decorrentes aquecimento e intensificação de eventos climáticos extremos diagnosticados em várias partes do mundo. A questão que se impõe é se, no meio de tantos discursos retóricos, desde os politicamente e ambientalmente corretos até os mais execráveis e notórios em defesa de interesses corporativos, estamos tratando o assunto do melhor jeito possível? Há controvérsias, a esse respeito.
Podemos começar pela mais óbvia das constatações, que nos impede de ignorar que o clima, particularmente a variabilidade extrema, sempre foi algo perigoso. No começo de 2010, os acidentes climáticos em Angra dos Reis/RJ, desabamento de encostas, e a queda da ponte em Agudo/RS, causada pelo excesso de chuvas, são exemplos. Portanto, é inegável que mais urgente até que lidar com a projetada mudança do clima algumas décadas adiante é a necessidade de melhorarmos a convivência com as nossas fragilidades do presente. Não podemos viver a falsa impressão de que o clima atual não nos preocupa, mas apenas o futuro.
Por outro lado, enquanto a retórica dos discursos, científicos e políticos, engajados com a causa da mudança do clima, propala a diminuição do consumo de energia derivada de combustíveis fósseis, a necessidade de crescimento econômico (ou de evitar recessão), especialmente em momentos de crise, pode estimular o contrário. Medidas como a redução do IPI para aquisição de automóveis, por exemplo, ilustram bem a contradição entre as retóricas de discursos oficiais, ambientalistas e econômicos. A persuasão da retórica econômica, não raro, é mais eficiente.
Em resumo, além de sensibilização para o preocupante tema da mudança do clima, precisamos, usando menos de retórica e mais de lógica, que nos ensina o uso correto da razão, incluir também, na agenda de discussões, melhores políticas de convivência com o dia a dia do clima atual.
por Gilberto Cunha em ONacional.
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Postado por
William Junior
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12:48
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