segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O individualismo ainda tem futuro?


Há hoje nos EUA uma crise mais profunda do que aquela econômico-financeira. É a crise do estilo de sociedade, que foi montada desde sua constituição pelos “pais fundadores”. Ela é profundamente individualista, derivação direta do tipo de capitalismo que foi implantado. A exaltação do individualismo ganhou a forma de um credo num monumento diante do majestoso Rockfeller Center em Nova York, no qual se pode ler o ato de fé de John D. Rockfeller Jr: “Eu creio no supremo valor do indivíduo e no seu direito à vida, à liberdade e à persecução da felicidade”.

Em finas análises no seu clássico livro A democracia na América(1835), o magistrado francês Charles de Tocqueville (1805-1859) apontou o individualismo como a marca registrada da nova sociedade nascente. Ele sempre foi triunfante, mas teve que aceitar limites devido à conquista dos direitos sociais dos trabalhadores e especialmente com surgimento do socialismo que contrapunha outro credo, o dos valores sociais. Mas com a derrocada do socialismo estatal, o individualismo voltou a ganhar livre curso sob o presidente Reagan a ponto de se impor em todo o mundo na forma do neoliberalismo político. Contra Barack Obama que tenta um projeto com claras conotações sociais como a saúde para todos os estadounidenses e as medidas coletivas para limitar a emissão de gases de efeito estufa, o individualismo volta a ser reproposto com furor.


Acusam-no de socialista e de comunista e até, num Facebook não se exclui seu eventual assassinato caso venha a cortar os planos individuais de saúde. E note-se que seu plano de saúde nem é tão radical assim, pois, tributário ainda do individualismo tradicional, exclui dele todos os milhões de imigrantes.

A palavra “nós” é uma das mais desprestigiadas da sociedade norteamericana. Denuncia-o o respeitado colunista do New York Times, Thomas L. Friedman num artigo recente: “Nossos lideres, até o presidente, não conseguem pronunciar a palavra ‘nós’ sem vontade de rir. Não há mais ‘nós’ na política norteamericana numa época em que ‘nós’ temos enormes problemas – a recessão, o sistema de saúde, as mudanças climáticas e guerras no Iraque e no Afeganistão – com que ‘nós’ só podemos lidar se a palavra ‘nós’ tiver uma conotação coletiva”(JB 01/10/09). Ocorre que, por falta de um contrato social mundial, os EUA comparecem como potência dominante que, praticamente, decide os destinos da humanidade. Seu arraigado individualismo projetado para o mundo se mostra absolutamente inadequado para mostrar um rumo para “nós” humanos. Esse individualismo não tem mais futuro.

Mais e mais se faz urgente uma governança global que substitua o unilateralismo mocêntrico. Ou deslocamos o eixo do “eu” (a minha economia, a minha força militar, o meu futuro) para o “nós” (o nosso sistema de produção, a nossa política e o nosso futuro comum) ou então dificilmente evitaremos uma tragédia, não só individual, mas coletiva. Independente de sermos socialistas ou não, o social e o planetário devem orientar o destino comum da humanidade. Mas por que o individualismo é tão arraigado? Porque ele está fundado num dado real do processo evolucionário e antropogênico, mas assumido de forma reducionista. Os cosmólogos nos asseguram que há duas tendências em todos os seres, especialmente nos vivos: a de autoafirmação (eu) e a de integração num todo maior (nós). Pela autoafirmação cada ser defende sua existência, caso contrário desaparece. Por outro lado, nunca está só, está sempre enredado numa teia de relações que o integra e lhe facilita a sobrevivência.


As duas tendências coexistem e juntas constroem cada ser e sustentam a biodiversidade. Excluindo uma delas surgem patologias. O “eu” sem o “nós” leva ao individualismo e ao capitalismo como sua expressão econômica. O “nós” sem o “eu” desemboca no socialismo estatal e no coletivismo econômico. O equilíbrio entre o “eu” e o “nós” se encontra na democracia participativa que articula ambos os pólos. Ela acolhe o indivíduo (eu) e o vê sempre inserido na sociedade maior (nós) como cidadão. Hoje, precisamos de uma hiperdemocracia que valorize cada ser e cada pessoa e garanta a sustentabilidade do coletivo que é a geossociedade nascente.

Loenardo Boff.

2 comentários:

  1. William

    Entendo que o individualismo é uma doutrina transitória e que faz parte da nossa evolução como seres humanos. Esta forma de ver a vida já não é mais sustentável, ela irá ceder.

    Muitos já propõem estilos de vida mais colaborativos e de compartilhamento e a sociedade irá aprender a lidar com essas novas propostas. O trabalho que você realiza no diHITT e no seu blog, mostra que você é um defensor e praticante dessas novas propostas que, aliás, eu considero positivas.

    Portanto, cabe a cada um nós agir, seguindo o fluxo das Leis da Natureza, para a sociedade alcançar esse novo estágio.

    Parabéns pelo post.

    Um abraço.

    Nelson (ProfessorNelsonMS)

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  2. Amigo William, para se mudar a cultura das pessoas de um País é muito difícil, é como reaprender a escrever, começar do zero. Os americanos colheram o que plantaram, é a lei do retorno, eles tem que aprender que não são melhores ou piores que outros e sim iguais, só assim vão se tornarem pessoas justas e entender que o "Eu" e o "NÓS" caminham juntos.

    Um abraço. Ah! parabéns pela matéria.

    Sua amiga do Dihitt Claudine Netto.


    Um abraço. ah! parabéns pela matéria.

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