sábado, 3 de outubro de 2009

Estratégias de enfrentamento da depressão no trabalho

Percebe-se divergências entre os estudiosos e, mesmo, na visão das pessoas comuns, sobre o modo como doenças oriundas do trabalho surgem no transcorrer da trajetória laboral dos trabalhadores. Para alguns, a doença é entendida como proveniente das relações de trabalho; para outros ela já estaria no indivíduo. Para os primeiros, sua origem é relacional, para os outros é biológica. Embora estudos comprovem claramente a interrelação entre adoecimento e trabalho, ainda se atribui peso muito maior ao enfoque biológico do que aos aspectos relacionais quando o assunto é o surgimento de patologias. O peso dos aspectos biológicos é mais acentuado quando a dor é psíquica, como no caso da depressão.

Se levado devidamente em conta que o sujeito constrói-se socialmente ver-se-á que este, no desenvolvimento da atividade laboral, exerce influências e é influenciado pelo contexto no qual está inserido. Essas influências do meio são provenientes do ambiente físico, da organização do trabalho, das relações estabelecidas com os demais trabalhadores, do lugar social que a instituição possui - o modo como ela é vista externamente - e do conjunto de suas vivências internas e externas à instituição.

No caso da depressão, cabe ressaltar que o adoecimento não fica inscrito somente na subjetividade do indivíduo que se encontra visivelmente doente, mas também no imaginário simbólico daqueles que ainda conseguem vencer as pressões diárias do contexto de trabalho. Assim, a doença configura-se não somente em algo derivado de uma predisposição interna, mas, sobretudo em uma ameaça externa e poderosa o suficiente para atingir qualquer pessoa. É em razão de tal ameaça que o sujeito sente a necessidade de adotar estratégias de defesa objetivando precaver-se contra a doença. Dentre as estratégias referidas pelos trabalhadores estão: a constante adaptação às mudanças do trabalho, o empenho em conhecer a doença, o esforço em manter-se ocupados a maior parte do dia, pensar em coisas boas, criar espaços de conversa informal e preparar-se para as dificuldades da vida.

As estratégias apresentadas pelos trabalhadores para mantê-los no trabalho e longe da depressão tendem a centrar-se em suas capacidades individuais. Desse modo, o trabalhador não avalia suas condições de trabalho, mas, sim, somente sua capacidade adaptativa. Entretanto, sabe-se que, condições de trabalho encontram-se cada vez mais precarizadas e, portanto, nem sempre configuram-se em um ambiente laborativo salutar. Essa situação é bem traduzida por um ambiente de trabalho carregado de metas, permeado por situações estressantes e por instabilidade.

As representações individuais relacionadas à depressão são partilhadas entre os trabalhadores cotidianamente no seu ambiente de trabalho e criam significação não mais individual, mas sim coletiva manifesta no seu comportamento. Desta forma, o enfoque dado pelos trabalhadores, no que se refere às condições de saúde ou adoecimento pessoal, recai sobre a responsabilidade individual. No contexto laboral estas estratégias são partilhadas e vivenciadas coletivamente reforçando as crenças individuais e criando um ambiente que sedimenta a representação da culpabilização do trabalhador quando não corresponde às demandas externas do ambiente de trabalho.

Sendo assim, cria-se um ciclo de manutenção da culpabilização individual de uma problemática ampla e inatingível individualmente fazendo com que as estratégias defensivas fracassem no seu objetivo de manutenção da saúde e do trabalho, pois quando o trabalhador adoece e sente-se responsável por este adoecimento ele é excluído do contexto de produção, pela sua incapacidade pessoal.

O trabalhador que apresenta sintomas depressivos, ou que já possua um diagnóstico de depressão, não pode ser entendido isoladamente como uma pessoa problemática que poderá ficar bem somente se receber uma medicação adequada. Ele não é somente um órgão doente, mas um sujeito e vivencia a depressão na sua singularidade. Além disso, faz parte de uma família, de uma comunidade, de uma cultura e de um contexto de trabalho que devem ser considerados de maneira efetiva e não apenas de modo complementar na interpretação do seu adoecimento.

Cláudia Bosetto Cenci, psicóloga, especialista em Psicologia das Relações Familiares e mestre em Psicologia Social e da Personalidade, professora do curso de Psicologia da Imed


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