domingo, 11 de outubro de 2009

Doente mental ou diferente?

O paciente chega desconfiado. Sentado entre os pais, calado, apenas balbucia. Os pais lhe ocultam que ele está vindo a um consultório. O paciente não aceita se tratar de forma alguma. Não aceita ser portador de uma doença crônica. Que mal há em ele ser diferente? Por que é excêntrico? Por que é um artista incompreendido? Não aceita e, durante a revolta, torna-se extremamente agressivo com seus pais. Ele não acredita mais nos profissionais de saúde. A certa altura, fala abertamente o porquê, de forma clara, nítida. Fala de sua descrença em ser tratado como um animal sem sentimentos, como apenas um pedaço de carne ambulante. No passado, foi mal assistido em vários tratamentos. Disse: “Vocês me chamam de louco, mas não oferecem nada de bom para mim!”

A negação como mecanismo de defesa é intensa. Pudera: mais de dez anos tratado qual um objeto, sem acolhimento. É visto só como bioquímica cerebral, sinapses e neurotransmissores. Lembra-se de quando no hospital psiquiátrico, o diagnóstico foi dado à seu pai a sua frente, de esquizofrenia: “Seu filho não vai prestar para nada. A doença dele não vai deixar.” O rapaz, com uma inteligência acima do normal, algo típico a vários esquizofrênicos, vê-se reduzido a nada diante do veredicto: “prestar para mais nada.” E o preço do estigma gerado por um “profissional”?

A crise na área da saúde mental, que engendra vasto número de pacientes revoltados, que têm problemas e não aceitam se tratar, deve-se a alguns fatores recorrentes:

1) Falta de preparo técnico e humano do profissional da saúde. Boa parte dos erros provém de uma visão materialista. Os pacientes foram reduzidos a carne, sinapses, bioquímica, fruto de uma visão científica positivista caduca;

2) A falta de estrutura física e de pessoal de uma parte dos tratamentos;

3) Ambas as questões anteriores fomentam toda sorte de preconceito contra os pacientes psiquiátricos, gerando uma enxurrada de rótulos, estigmas, sintomas, diagnósticos e pouco ou nenhum tratamento efetivo. A isso chamamos distanciamento, à medida em que transformamos em objeto inanimado, no qual se materializa o objeto de estudo, retirando-lhe sua subjetividade, afetividade, espiritualidade, criatividade, relegando-o a aspectos materiais palpáveis e observáveis e, consequentemente, mensuráveis. Como atender, com qualidade, à distância?

Muito se fala de humanizar os serviços de saúde mental. Porém poucos ou ninguém do setor apontam que isso atualmente é praticamente impossível, em especial por uma ampla lacuna na formação profissional. Psiquiatras e psicólogos são formados para evitar o lado subjetivo do ser humano. Rendem-se à bioquímica, a um sistema totalmente materialista, a uma ciência positivista caduca, alienada de seu objetivo maior, que é a possibilidade de tratar e conduzir à melhora um indivíduo que sofre. Atualmente o paciente é, de modo geral, um objeto, jogado, dopado, abandonado. Quanto mais mal tratado é o paciente, maior será sua agressividade e revolta, o que ocorre naturalmente, até em resposta a tudo que sofreu.

Para trazer de volta ao tratamento adequado tais pacientes é preciso desfazer todos os equívocos e mal-entendidos que ocorreram para depois iniciar a nova assistência propriamente dita. Em alguns casos, os traumas desenvolvidos pelos tratamentos são tão fortes que é preciso anos para auxiliar o paciente a assimilar a ferida gerada por um profissional dito de saúde. É possível refazer todo esse caminho, que, embora tortuoso, se reverte com paciência, amor, competência profissional, apoio e suporte familiar. Sim, é possível reverter os estragos causados por profissionais desqualificados, desde que se tenha um serviço verdadeiramente humanizado

O que você achou desse texto? Deixe sua opinião se desejar.

Fonte: Instituto Olhos da Alma.

6 comentários:

  1. Oi William

    Triste realidade. São casos de desrespeito, uma visão errada, principalmente de quem deveria ser mais responsável em seu trabalho, ou seja, os médicos.
    Capacitação profissional adequada aos profissionais e humanização é o que pode fazer a diferença sim, além do amor da família, claro.
    Bj

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  2. Querido William,

    A nossa realidade é dura e difícil, pois é muito mais fácil discriminar do que oferecer ajuda para que uma pessoa diferente se mantenha íntegra em seus propósitos e em sua vida.
    Quem de nós é um ser perfeito, sem nehum tipo de anomalia? Uns são depressivos, outros tem TOC, outros são BP etc...
    Difícil heim...
    O amor e o carinho da família é o principal remédio para curar qualquer tipo de mal, seja físico ou mental.

    Beijos no seu coração.

    Rosana.

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  3. Olá amigo,
    Sempre estou atento às suas matérias as quais têm muita qualidade, parabéns!

    Aproveito para lhe agradecer os seus votos e as suas lindas palavras comentando o meu soneto "Solidão", estou muito feliz com o resultado da votação.
    Muito obrigado amigo, receba um forte abraço,
    FrancK

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  4. Uma realidade que por causa do homem se torna de uma certa maneira imutável, muito triste isso.

    Ótima abordagem!

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  5. Eu sei muito bem o que é isto... Infelizmente falta sensibilidade para que se dê tratamento digno a pessoas com deficiência (seria mesmo deficiente este tipo de pessoa ou seriam apenas diferentes?) que necessitam se integrar à sociedade para conseguir seu sustento.
    É preciso maior atenção para este tipo de pessoas. E eu amo muito uma pessoa assim... Espero ainda estar vivo para vê-la definitivamente integrada.

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