sexta-feira, 14 de maio de 2010

Objetos esquecidos



Todo mundo tem algum hábito que volta e meia é abandonado. Todos nós somos seres repletos de ostracismos cravados no peito. Alguns sonhos que não existem mais. Outros projetos que foram desistidos antes mesmo de serem começados. Uma apostasia, isto de a fé se minguar ao mínimo, ou trasmudar o próprio credo, quiçá aumentá-lo.
Sempre fomos uma colcha de retalhos, picada por opiniões que deixamos de ter. O pensamento modifica e muita gente amadurece, radicaliza, regride, modifica. O ser humano imperfeito se molda em instantes. Muitas ideologias basilares tornam-se rapidamente efêmeras e errôneas. Outros pecam por não ter ideologia alguma.
Muitos objetos carregam a mesma sina do nosso ser. Em toda a vida acumulamos inutensílios que ficarão aqui, miscigenados pela poeira ou pelo lixo, naquela certeza de ir embora o dedo sem levar o anel. Talvez resquícios materialista do acúmulo implícito na sociedade, ou do consumismo fácil que é instigado em todo mundo desde criança.
Objetos preciosos simplesmente de uma hora para outra não são mais magníficos. Tornam-se meros adornos, objetos que talvez não jogamos fora por representar uma essência do que gostávamos no passado, ou pelo seu custo material. E eles são deixados de lado ao bel prazer do esquecimento, quase que de forma imperceptível e lenta, muitas vezes não proposital.
Na minha sala há dois objetos que ultimamente me confrontam. O primeiro deles é um piano triste, sem um pé, onde um toco de madeira tenta sustentar o nível de seu peso. É um piano velho, sem cauda o cotó, sem pedigree robusto, que daria um caldo sonoro caso eu brincasse novamente em suas teclas. Mas não tenho talento suficiente para manipular a pressão de suas notas. Meu filho cessou a empolgação de modo sinistro, ele brincava e treinava, transformando o silêncio em sinfonia. E lia aquelas pautas, com alegria. Hoje a tampa permanece fechada, como uma boca sem alimentos, e os dentes – as teclas – sem escovar os dedos, acabam empoeirando a sujeira. Ele fica lá, estático, um móvel imóvel em adereço.
O que mais me confronta e tem me olhado com certa amargura é uma viola caipira que fica ao lado do piano. Não é uma viola de marca, nem mesmo foi industrializada. É uma violinha leve e tosca; rústica, esculpida em canivete, sem cavalete, sem rastilho de osso, sem tarracha de plástico, nem metal ela tem. É toda de madeira. Foi a companheira de muitas carícias em suas cordas, muitas mágoas já amainou aquela Tristeza do Jeca que há em mim. Era a maior companheira solitária que tirava qualquer estresse. Está lá com nove cordas, uma faltando. Ela me confronta com o que já fui, com o que já pertenci, tentando me lembrar do que quase me esqueci. Ela levanta o braço esticado como se pedisse para escolhê-la, como uma criança que levanta os braços pedindo colo. Vale a pena tanta correria? Não vale a pena me perguntar qual grandiosa ação tenho feito! É tanto esquecimento que esse texto também será esquecido. Mas ainda criarei coragem para resgatá-la daquele limbo. Próxima vez, tentarei lembrar de esquecer os esquecimentos!

Leonardo Teixeira.

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2 comentários:

  1. Amigo William, excelente texto. Acredito que ao longo de nossas vidas, guardamos muitas coisas, mais com o decorrer do tempo, muitas delas são esquecidas, mas, quando menos esperamos, o que deixamos para trás, no esquecimento, surge em nossas lembranças, e isso faz com que possamos reviver alguns momentos marcantes de nossas vidas. As nossas ideologias nem sempre são razões para a nossa vida, mas sim, sonhos a serem desvendados. Abraços. Roniel.

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  2. É assim mesmo amigo, seu texto está 100% correto.
    Abraços forte

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