domingo, 23 de maio de 2010
O retorno às cavernas
“Nunca haverá uma guerra boa
ou uma paz má” - Benjamim Franklin
Há tempos, segundo a sapiência do filósofo criador do célebre mote “O homem é o lobo do homem”, o estigma persegue a raça humana. Todavia, essa frase famosa contém uma injustiça por comparar o homem àquele nobre representante dos canídeos, o que merece ser reparado, eis que o verdadeiro lobo das noites enluaradas é um ser magnífico, altivo, caçador nato, um belo exemplar do reino animal, sendo que seus hábitos de vida não guardam a menor semelhança com os atos de covardia e malvadeza atávicos próprios do bípede dominador e predador do mundo.
É certo que somos, como descendentes dos símios, os únicos viventes na natureza capazes de premeditar e de cometer atos de vingança e de crueldade com o fito de revidar ofensas ou de consumar barbáries. Ocorre que os chamados irracionais jamais reagem por represália senão para defender a prole ou saciar a fome.
A eliminação de um ser vivo, pois, entre os animais, dá-se entre eles somente por imperativo da seleção natural, sujeita que é às leis genéticas que cobram o sacrifício do mais fraco, quando imprestável à perpetuação da espécie e à continuidade do vida animal.
Tampouco os bichos fazem conquistas territoriais além dos espaços necessários às incursões de caça e à procura de alimentos nas insondáveis migrações ancestrais. Da luta incessante pela existência depende o ciclo imutável da vida selvagem cujo enigma resume-se, nas palavras de H. Spencer, na sobrevivência do mais apto.
Quanto à espécie humana, indiferente à pregação bíblica do amor mútuo, a natureza foi misteriosamente irônica posto que não a dotou de garras ou presas, e sequer impôs-lhe regras e limites à reprodução, visto que nela o instinto sexual do macho desvirtua a cópula a práticas patológicas de perversões e fetiches desconhecidas no reino animal.
Deu a natureza ao homem, no entanto, a inteligência e a fala, o que ensejou a sua supremacia sobre os demais seres e consagrou a sobrevivência não somente do mais forte, como do mais esperto, fenômeno aqui explicado pela criminologia.
Tão logo dominou os meios de defesa e ataque, o homem darwiniano relegou a atividade de caçador e abandonou as cavernas como nômade impulsionado pelo invencível apelo de aventuras e ambições que o animam desde então, e por toda o sua existência nos nossos sítios terráqueos.
Para alargar seus domínios e apoderar-se de riquezas e bens o homem primitivo, ao adquirir as experiências de dissimulador e astucioso, com certeza provocou a primeira rixa tribal contra seu vizinho apenas porque o vento lhe soprava em desfavor...
De conquista em conquista, com ou sem pretexto, nosso ancestral das cavernas varou milênios e construiu imensos e temíveis impérios, mais cedo ou mais tarde desmoronados, conquanto se arvorassem imperecíveis. Nem por isso conteve a sua sanha de guerreiro e de exterminador de inimigos, transmitindo, de geração a geração, uma herança de lutas fraticidas e de ruína material.
Ao padecer essa sina tormentosa na sua longa travessia terrena, contudo, a humanidade não se detém para refletir e sopesar os efeitos malignos e as ignomínias de tantos conflitos e guerras, condenada que está a repetir os erros do passado e a ignorar as lições trágicas do História, que já assistiu ao expurgo de todos os déspotas sanguinários e à derrocada de impérios iníquos que felizmente não duram perpetuamente.
Responsáveis por retrocessos nos avanços da civilização, no campo social, cultural e material das sociedades civis, quantos falsos líderes, reis, profetas, ditadores, carismáticos e assistencialistas, já cometeram e ainda cometem opressões e atentados aos direitos humanos e aos postulados e valores da democracia, para encobrir prisões arbitrárias, genocídios e atrocidades contra povos indefesos e inocentes, de resto invocando o nome de Deus e da liberdade.
Enquanto que o processo de seleção natural, no reino animal, cumpre o determinismo dos genes e dos cromossomos, o homo sapiens, no último século – apesar de já ter fincado seus marcos de conquista na lua e de obter outros notáveis feitos da cibernética, robótica e mecatrônica –, promove na terra a seleção natural a seu talante e ignóbil critério, nos países subjugados pela tirania das ditaduras e governos de exceção, através da discriminação de raça, da intolerância de credo e da dominação militar e econômica, sob as vistas grossas da comunidade internacional, cada vez mais impotente e espezinhada pela retórica das bombas “inteligentes” e do poderio militar sempre ameaçador.
Fatalmente, quando aqueles conhecidos métodos de opressão e tirania falham, retorna-se ao tempo das cavernas e recorre-se agora ao argumento mais convincente dos prepotentes: os mísseis apocalípticos, movidos a urânio, hoje o trunfo maligno que alguns países detêm e ostentam para se intimidarem entre si, numa encenação teatral de poderio bélico que perdura nos fóruns mundiais em constante ameaça à paz do mundo e à segurança da humanidade.
Desgraçadamente, diante da recorrente “guerra santa” entre o bem e o mal, na visão do despotismo imperial dos países com assento no Conselho de Segurança da ONU, esmaece a tênue esperança de que um dia as nações mais poderosas se submeterão à vontade dos tratados, ao diálogo e ao consenso, a fim de que, respeitadas a soberania e autodeterminação de cada país, possam ser arbitrados os conflitos e, sobretudo, contidos o ódio inflamado dos adversários e a ambição global dos mercados.
Debalde os espíritos destemidos clamarão no deserto – aqui também no sentido geográfico – contra a sede de vingança dos césares que hoje seguram as rédeas do mundo. Até quando eles abusarão da paciência e da fraqueza dos povos oprimidos, irmãos de todas as raças e credos, eis a nova e preocupante incógnita para o amanhã sombrio das nações livres e pacifistas.
Wagner de Barros.
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Postado por
William Junior
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09:06
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Grande contribuíção para uma reflexão saudavel sobre nossa atuação frente às coisas e acontecimentos.
ResponderExcluirNo seu texto faz uma análise sobre a evolução do homem. Essa evolução não está sendo suficiente para a total libertação da caverna. (O mito da Caverna de Platão)
Gostei