sexta-feira, 21 de maio de 2010

A hora do desespero



Tudo dando errado. Chuvas, trovoadas, vento forte, sapato cheio d'agua. Gelo dentro e fora. Existência-tempestade. Falta abrigo, vontade de correr. Mas correr para onde? No olhar o desespero, respiração ofegante em um contrassenso existencial: o vento corre como a vida. Pressa. Todo caos paralisa, hibernando a ação. Fomos nada, corremos tanto para chegar em que lugar? Destino fugidio, esconde-esconde, vazio, nó na garganta, grito abafado. Corre, perna parada! Vive, vida morta! Brotos saem dos pés que, em raiz, seguram o chão querendo parar o giro da terra. Inútil!
Na hora do desespero chorei, sorri, gemi, calei. Gritei, rezei e tantas outras coisas sem sentido fiz. Na democracia pancadaria da vida, nos muitos tombos diários(amigos inseparáveis), nos tropeços, por pés esticados à nossa frente, vem a dúvida: qual a melhor reação? Talvez uns digam um comprimido de calmante, outros uma benzedeira, terceiros diriam uma pinga, a igrejinha o dízimo, o cruel bem feito. Tantos palpites para o desespero. Qual o melhor?
O senso comum na hora do desespero reafirma: faça o que eu digo, não faça o que eu faço. Muitas receitas prontas na hora do "pega pra capar" não passam de achismo estilo: "Se fosse eu...” quase todas apontando na direção mágica do "comigo seria diferente". Frescor da pimenta em hemorróida alheia. Todavia, nesse script reencenado, o capataz que dá a última porrada, o nocaute, chama-se ansiedade. Pressa no desespero, agonia, instinto, tornam-se processos autodestrutivos. Um dos princípios mais belos das artes marciais está na dualidade, o autocontrole no meio do desequilíbrio, a paz no meio da pancadaria. É o que diferencia o sábio do ignorante, o espírito da besta, o amor da raiva, o cidadão do meliante. Quantos crimes não são cometidos por atos de desespero somados ao desequilíbrio? Quantos crimes passionais? Quantos suicídios? Equilíbrio mesmo nas adversidades é conquista gradativa que requer anos de preparo, autoconhecimento, dedicação, percepção dos processos instintivos. Requer dedicação, ideologia para a vida, persistência. Todavia, em nossa cultura atual, na qual indivíduos trocam bom senso por comprimidos, a vida pela apatia, a razão por instinto, o tesão pelo voyeurismo, Deus pelo dinheiro, neste caos cotidiano, é natural que em desespero pessoas adotem reações instintivas: se a vida é levada "de barriga", por que na hora do desespero seria diferente?
Caos que, para muitos, é obra do capeta, satanaz, do inimigo, percepção infantil em plena projeção de culpa - belo mecanismo de defesa. A obra do caos é a dissolução das ilusões, é o fim dos castelos de areia e do que jamais existiu. E tantas pessoas brigam tanto com o universo exigindo que este materialize o que jamais passou de ilusão. Tanta gente investe tanto em nada, no supérfluo, no vazio, no fútil, querendo que tudo isso perdure. Ilusão eterna só existe na demagogia da política. Os períodos de dissolução na vida são obras divinas reconduzindo o ser humano de volta a sua essência. Períodos de crise são grandes presentes para reavaliar a vida, revisão de valores, isto para os que se permitem a reflexão.
Na hora do desespero o ideal é tentar manter a calma. Vale a pena repensar no contar até mil. Como dizia Jesus, andar duas léguas quando lhe pedem uma ou ainda perdoar setenta vezes sete. Equilíbrio atualmente é mais que uma questão de sanidade, é sobrevivência.


Jorge de Lima.

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4 comentários:

  1. Perfeito, equilibrio e questao de sobrevivencia, disse tudo, parabens!

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  2. Tem dias que seria melhor que não existissem.
    Abraços forte

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  3. Agir no desespero é pedir para tomar atitudes das quais nos arrependeremos futuramente.
    Manter a calma ainda é a melhor saída.

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  4. Há dias que desejamos esquecer, dados os percalços, contratempos, dificuldades, aborrecimentos... que os mesmos imprimem. Creio, realmente, que é preciso matermos o equilíbrio mesmo em momentos absurdamente críticos. Pois só assim teremos alguma chance de revertemos essas situações adversas ou pelo menos suavisar os impactos deixados por elas.

    Grande abraço.
    Ótimo final de semana.

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