terça-feira, 15 de março de 2011

Muito longe da fantasia...



Catástrofes naturais são cada vez mais comuns, mas o governo brasileiro pouco tem feito para conter danos e sempre que algo do gênero acontece por aqui, mortes e destruição atingem números alarmantes e assustam até os mais otimistas.
“Nunca vai acontecer comigo.” Quem já não pensou ou proferiu estas palavras diante da adversidade de outros? Muitos seres humanos, na sua estranha afinidade ao espetáculo do desastre, observam os mínimos detalhes do sofrimento alheio e até se solidarizam com as vítimas – o que é louvável –, mas sempre se consideram imunes àquele mal que acompanham pela televisão. “Mas eu moro em tal cidade! Aqui não tem tornado, vulcão, terremoto, inundação, nem nada disso”, pode dizer um sujeito orgulhoso de uma terra única como esta. Mas há uma pequena correção a fazer: aqui não há nada disso ainda. Não há garantias de que as mudanças climáticas citadas, se mantenham longe do Centro-Oeste brasileiro e demais regiões até agora tidas como “Sem risco”. Se as tempestades por aqui já são mais corriqueiras e destruidoras do que antes a olhos vistos, o que se pode dizer desse quadro daqui a 20 anos, por exemplo? E se você faz parte dos imediatistas que não estão muito preocupados com isso, lembre-se que já é março. Mês 3. Um quarto do ano já foi. O tempo voa.
De acordo com a infame lei de Murphy, se uma coisa pode dar errado, ela vai dar errado. Mas o quão errado faz toda a diferença quando o assunto são vidas humanas.

Veja por exemplo o Japão: o país se encontra em uma região do globo em que os terremotos são comuns – acabou de sofrer com o maior tremor de sua história e os mortos já chegam a milhares. Um número grande e doloroso, mas ínfimo se considerarmos que o tremor atingiu Tóquio, a capital nipônica, junto a Yokohama e Kawasaki, que somam hoje 34,2 milhões de habitantes.

O segredo para uma quantidade de mortos considerada baixa dada a violência da catástrofe é simples: educação e planejamento. E você sabe o que fazer em caso de uma catástrofe natural atingir sua casa – seja ela qual for? Provavelmente não. Ora, a maioria da população não parece saber nem que água parada é criatório de mosquito da dengue. Mas essa já é outra discussão: até mais importante, dada a atualidade do problema, mas que não será tratada aqui.

Sem planejamento
Quando se analisa o real, o palpável, percebe-se que nos últimos anos o País enfrenta problemas recorrentes desencadeados pelas fortes chuvas do início do verão. Desmatamento, aquecimento global e crescimento desenfreado da população urbana estão entre as causas do aumento da intensidade dessas frequentes tempestades. Contudo, especialistas defendem que os estragos materiais e o grande número de desabrigados e de mortos poderiam ser reduzidos se houvesse planejamento e vontade política das autoridades.


São vários os empecilhos que impedem que trabalhos de prevenção de tragédias e de atuação na resposta a grandes desastres aconteçam de forma eficiente. E não é só isso: o problema também é cultural. Ao analisarmos o caso das chuvas, acontece uma conexão direta com as estradas brasileiras. O que deveria ser um asfalto de primeira qualidade, dada a cruel quantidade de impostos que se paga por aqui, não aguenta a primeira semana de monções e logo transforma o que seria uma tranquila viagem em um rali perigoso. E se a culpa fosse das chuvas, como é dito muito por aí, na Grã-Bretanha ninguém andava de carro.


Lá chove nove meses por ano, e as estradas aguentam sol e chuva por muito mais tempo que por aqui. Uma reportagem veiculada em janeiro no jornal Correio Braziliense sobre este mesmo assunto traz números que deixam clara a cultura do remediar: entre 2004 e 2010, R$ 539,8 milhões foram desembolsados com prevenção, enquanto R$ 4,8 bilhões acabaram destinados a respostas a tragédias. Isso porque tragédias são apenas as catástrofes históricas que deixam todo mundo pasmo. Mortes nas estradas e violência nas cidades já se tornaram tão comuns e banais quanto tomar café pela manhã.

Ser verde é ser vivo
Ainda sobre as estradas, um pouco de estudo reforça que o consumo desenfreado destrói até as boas ideias. Para o doutor em Geotecnia Luiz Rodrigues de Mello, uma solução para os problemas nas estradas seria o asfalto borracha. O especialista explica que as rachaduras e os buracos nos pavimentos são os principais defeitos observados nas estradas de todo Brasil. “A inclusão da borracha na mistura modifica as características químicas e físicas do ligante. Essas alterações fazem com que o asfalto tenha maior resistência à fadiga e ao envelhecimento. Essas duas propriedades são primordiais para pavimentos mais duradouros”, explica.


Nos últimos quatro anos, o governo federal investiu anualmente R$ 3,5 bilhões na conservação, restauração e manutenção rodoviária (Crema). Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), para 2011 estão previstos R$ 5 bilhões. “Caso houvesse a adesão do asfalto borracha em rodovias ao longo do Brasil, aliado a uma boa pavimentação, certamente estaríamos com menos buracos e teríamos acréscimo de vida útil no pavimento”, garante Mello. E menos lixo tóxico. Diversos países já utilizam o processo, em boa parte da malha rodoviária. No Brasil ainda não há projeto de lei tramitando no Congresso Nacional que obrigue a inclusão da borracha no cimento asfáltico.


Há, entretanto, uma faixa no Rio Grande do Sul onde a tecnologia foi utilizada para estudo. O teste: nas duas pistas experimentais, uma com asfalto comum, CAP 20 (Cimento Asfáltico de Petróleo), e outra com o asfalto borracha. Os cientistas submeteram as pistas a uma carga de eixo de dez toneladas e simularam 98 mil repetições nas pistas; depois dos testes, o asfalto comum estava completamente trincado, enquanto o asfalto borracha não havia sofrido nenhum dano. Só depois de submetido a 300 mil repetições, o trincamento na pista com asfalto borracha foi apontado e com um grau de incidência muito baixo.
Endemia citada, é necessário voltar às catástrofes.

O que se presenciou recentemente nas enchentes devastadoras em Santa Catarina, no Nordeste e no Rio de Janeiro só comprova a falta de políticas públicas. Fernando Kertzman, presidente da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia Ambiental (ABGE), acredita que as falhas começam no mapeamento das áreas de risco. Para ele, não há equipe técnica capacitada suficiente para realizar com afinco todo o rastreamento das regiões ameaçadas, e os técnicos que atuam no governo estão dispersos em órgãos diferentes, que não conversam entre si.

“Essas pessoas sabem o que fazer e como fazer, mas não estão articuladas para planejar nem executar projetos”, diz. Kertzman acredita que falta no País uma consciência de que a população e o governo têm de estar preparados para enfrentar as chuvas. Mas pelo andar da carruagem, o brasileiro pode esperar sentado. Ou boiando.

Por Humberto Wilson.

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Um comentário:

  1. Quanto verdade junto, rs...

    Estava conversando sobre esse tipo de coisa hoje mesmo com um amigo, sobre a falta de previsão, pois a linha vermelha do metrô de São Paulo, toda vez que chove dá problema.

    E recebi um e-mail ontem mostrando diversas passeatas que acontecerem no mundo reivindicando melhorias, enquanto aqui no Brasil presenciamos absurdos acontecerem nas casas governamentais e ninguém faz nada.

    Muito bom o tema de seu blog, e caso algum dia queira organizar manifestações, saiba que participo sem pensar duas vezes.

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