O
desejo de libertação educativa (Paulo Freire), de fim do patrimonialismo
(Raymundo Faoro), de uma nova civilização (Darcy Ribeiro) e de um Brasil
consciente de sua história (Manoel Bomfim) é quase um devaneio para gente de
bem que se vê rodeada de meio-cidadãos omissos. Proponho, neste texto, uma
reflexão sobre como é possível ter civismo sem cinismo no Brasil, e revelo
minha mudança de postura em relação ao Maquinário tupinica.
Quando
folhei as notícias de destaque sobre o Brasil e logo sobre meu estado de origem
(São Paulo), fiquei preocupado com várias e estarrecido com uma. Esta informou
que, em cidades do norte do estado de São Paulo (Batatais, Pedregulho e outras)
e na região de Ribeirão Preto, bandidos fortemente armados com metralhadoras
amedrontaram policiais, tomaram conta dessas cidades sem usar capuz, e
explodiram caixas eletrônicos.
Tenho
lido notícias como essa sobre cidades brasileiras. Entretanto, no nível
federal, não é muito diferente: desvio de dinheiro na Petrobras,
superfaturamento de obras, política como atividade de carreira e vitalícia para
muitos, políticos viajando com dinheiro na cueca. Deixamos de ser o império do
pau-brasil e do ouro. Somos agora o império do crime e do ouro negro.
Brasileiros
que ocupam postos da cúpula do poder limpam suas bundas com dólares e esfregam
as notas na cara do povo brasileiro, suado e humilhado.
Agora
estou certo de que o Maquinário tupinica é inimigo do povo brasileiro e de que
seus burocratas e políticos não querem mais do que gozar de um cargo. Não sabem
o que significa cidadania, ou talvez nem queiram saber.
Policiais
não “dão a cara pra bater” na hora do “vamo vê”, gestores públicos dançam
conforme a música, burocratas não veem a hora de acabar seus expedientes para
comemorar no “happy hour” a estabilidade de suas carreiras (o fato de que
ganham cinco, dez, quinze mil reais, enquanto a maioria...). Nesse ínterim,
falta gente treinada para a cidadania no Brasil, para exercer deveres em vez de
cobrar que o Maquinário tupinica lhes proveja tudo.
Infelizmente,
neste cenário de proliferação desordeira e frenética de meia-cidadania, eu
estava equivocado. Numa idade um pouco mais jovem, eu acreditava na função do
Maquinário tupinica de restaurar a ordem, garantir o desenvolvimento, e
orientar o Brasil numa direção mais igualitária e justa.
O
Maquinário tupinica é, em realidade, uma ferramenta exploradora, retardadora e
opressiva do povo brasileiro. Tal Maquinário realiza o interesse egoísta e
próprio de um grupo de privilegiados, da estabilidade forçada e artificial de
carreiras de funcionários públicos (em comparação com o mercado de empregos),
de propinas e de “quem indica”, e de favorecimento a empresas de porte grande
que financiam campanhas políticas (e.g. as críticas da senadora Kátia Abreu às
atuações da Friboi são procedentes).
O
Maquinário tupinica transformou-se num instrumento público de interesse
privado. Este giro confunde a cabeça de justiceiros sociais. Estou pensando
agora numa revolução na forma de administrar o país que favoreça o
empreendedorismo (instrumento privado) em prol do interesse público.
Bem, a
primeira crítica que se ouve é que a iniciativa privada é uma ação quase sempre
individualista que busca o lucro e, portanto, satisfaz uma lógica diferente da
do Maquinário. Este, teoricamente, é o ente que deveria buscar o bem comum e
garantir que os direitos e deveres constitucionais se cumpram. Contudo, devido
a problemas graves de civismo (cultura política corrupta, educação
insuficiente, etc.), essa relação se inverte no Brasil.
A
iniciativa livre e privada tem sido responsável pela modernização (e.g. empresas
diversas de telecomunicações competindo entre si e garantindo que a Internet em
banda larga não fique tão atrás de outros países, variedade de opções no
mercado em vez de dirigismo estatal), e pela emergência de ideias novas (“start
ups”), desde que o Maquinário não imponha obstáculos e taxas para sustentar sua
grande família de burocratas gozadores de cargos.
O
civismo que proponho brotará de um Brasil livre, novo, construtivo,
competitivo, educado e progressista. Este ultrapassará de longe o cinismo, o
comodismo, o formalismo e o conservadorismo do Maquinário tupinica.
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