segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Ser professor, pra quê?
Em um certo episódio de “A escolinha do professor Girafales”, quadro de sucesso do programa Chaves, escrito por Roberto Bolaños, o professor tenta inutilmente durante uma aula ensinar coisas que não chegam aos seus alunos. Dentre esses, estão os personagens impagáveis da série, Chiquinha, Quico, o próprio Chaves e muitos outros. Várias coisas atrapalham o sucesso dessa aula. A falta de interesse da turma, a irritação do professor, o pouco conhecimento das crianças em relação aos conteúdos anteriores ministrados em outros anos. Tudo vai acontecendo de uma maneira tão bem colocada que a cada acontecimento vemos que o professor se desestimula mais. Até que em um certo momento, Girafales, em uma última tentativa, pede que os alunos se levantem e segurem cada um, um livro, e diz algo como:
- Enquanto vocês tiverem esses livros nas mãos, vocês serão pessoas de bem. Enquanto vocês tiverem esses livros nas mãos, vocês serão respeitados e queridos e mostrarão o quanto vocês são cidadãos dignos de conviver como irmãos. Em outras palavras, enquanto vocês tiverem esses livros nas mãos, vocês serão como eu.
Nesse momento todos os alunos jogam seus livros no chão e fazem cara de desgosto. Bem, não é por ser fã da série Chaves que eu tento aqui mostrar como esse seriado é genial. Roberto Bolaños não precisa de mim para isso. Mas essa crítica, feita há trinta anos, nos mostra um discurso muito comum em países sulamericanos como o Brasil. Esse discurso é o descrédito da figura do professor. Quem quer ser professor? Ninguém. E não é para menos.
Quando você vê um concurso público que paga para uma pessoa com ensino médio trabalhar meio período 1600 reais e o mesmo Estado paga para um professor trabalhar meio período 1024 reais começamos a perceber alguma coisa errada. Não estou nesse exemplo defendendo o professor, estou defendendo o diploma de alguém. Em algum lugar, pelo amor de Deus, um profissional que cursou faculdade deve ser valorizado financeiramente em relação àquele que não cursou. Existe alguma coisa muito idiota em desvalorizar financeiramente o conhecimento. É simples e eu acho que tenho uma hipótese. Nós vivemos em um sistema capitalista. As pessoas precisam ser remuneradas financeiramente. Paga-se mal aos professores e finalmente as pessoas mais preparadas intelectualmente não desejam seguir essa carreira. Ei, não é culpa delas, é que é preciso ser muito inteligente para sobreviver com 1024 reais. Assim sendo, só os profissionais que sobram na sociedade se interessam pela docência e dão origem alunos piores que irão se interessar pela docência porque não têm nível para se interessar por uma profissão que remunere melhor.
Não estou aqui dizendo que existem só professores ruins em escolas públicas. Muito pelo contrário, existe gente de excelente nível. Mas é necessário melhorar. Pagar melhor ao professor não tem nada a ver com a classe em si, mas é uma questão de respeito à sociedade.
É importante lembrar que em1989 a média salarial de um professor no Brasil era de dez salários mínimos. Hoje, algo em torno de cinco mil reais. Não é um salário de rico, mas é um salário digno. Digno no sentido de se considerar um casal que ganha dois salários iguais e tenha um casal de filhos em escola particular, com boas condições de alimentação, moradia, lazer e vestimenta. O problema é que os cálculos no Brasil não são feitos com base na dignidade, mas sim no “dá para viver”. Calcula-se que “dá para viver” com certo salário e assim vai indo. Como se uma família não tivesse que ir ao cinema, teatro, poder comprar roupas novas, livros e assim por diante. Dez salários mínimos não é um bom salário, mas sim um salário digno. Quem tem filhos sabe do que eu estou falando.
Fala-se muito hoje dos salários de professores de Universidades Públicas. Não são salários bons, são salários dignos. Considerando a responsabilidade de um profissional desses é até um salário ruim. Imagine: dar aula em graduação, pós, mestrado, doutorado e ainda ter que corrigir provas, produzir material, orientar alunos de vários níveis acadêmicos, produzir artigos, publicá-los, participar de congressos com apresentações consistentes. Mas a questão é: ganha-se bem de mais. Ou ainda ouve-se o idiota: para um professor já tá bom.
Todas as nações que aumentaram seu IDH (Índice de desenvolvimento Humano) tiveram que fazer uma revolução na educação. Uma exemplo é a Coreia do Sul que em quarenta anos mudou completamente sua visão de país agrário e sem tecnologia. No entanto, investir em educação não é investir só em prédios e sim nas pessoas. O problema é que nossos políticos não investem em obras que os eleitores não vejam e definitivamente os eleitores não verão os bolsos dos professores. É melhor fazer um prédio bonito em uma avenida movimentada (deixando os periféricos sempre a míngua) do que pagar salários verdadeiros aos profissionais da educação.
Eu não sou professor de escola pública. Talvez nunca venha a ser. E não tenho nenhuma vergonha de dizer que sou um vendido do sistema. Não há ideologia que sobreviva às contas que devem ser pagas no final do mês. Hoje, ganho mais que um colega de escola pública e trabalho só dois dias por semana. A escola particular tem suas dificuldades: falta de autonomia, excesso de liberdade aos alunos, imposição ideológica do público que paga a mensalidade. Mas eu prefiro aguentar isso a alguém dizer que eu posso comer ou não com certo salário.
Parece ridículo dizer, mas é simples. Para mudar essa realidade o único remédio é que os professores e os alunos queiram ser professores. Só quando ninguém tiver repulsa pela educação é que ela vai conseguir mudar as coisas. Salário não é uma visão reducionista. Ninguém resolve problema nenhum quando tem problemas demais para resolver em sua própria vida. Um salário bom é uma maneira de começar as coisas.
Caetano Mondadori é professor de redação (caetanomondadori@gmail.com) (caetanomondadori.blogspot.com)
Este blog tem o link do blog do Prof. Caetano. Comente esse texto lá ou aqui.
Postado por
William Junior
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22:49
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Olá Willian,
ResponderExcluirExcelente texto sou professora coordenadora de escola de tempo integral, o aluno entre as 07h00min e sai as 16:00horas, imagina esta sua historia ao longo de 9 horas. O problema da Educação não está nos alunos e nem nos professores, não está nos salários e sim nos nossos políticos, que não interessa um povo educado e politizado, certo?
Quem tem Educação, tem opiniões, com isto tornam-se exigentes e não vendem seus votos.
A quem interessa isto uma Educação de qualidade?
Meu carinho
William
ResponderExcluiracredito que a Silvana esteja certa em seu comentário, a quem interessa um eleitorado instruído e inteligente? Jamais os políticos vão criar melhores condições aos professores da rede pública, seria um tiro no pé.
Excelente postagem,
abraços,
Vitor.
PARABENS PELO TEXTO AMIGO
ResponderExcluirMas é importante realssar que a desvalorização do professor é algo muito importante para as classes dominantes. Pois com muito menos esforço elas conseguem dominar por completo toa a população, impondo os seus desejos entre outras coisas
Parabéns pelo post!
ResponderExcluirEu sempre bato na tecla da questão da base. Seja pela educação, pela cultura, as artes..
Nas artes, vivemos a mesma situação e talvez ainda pior, pois nem sequer temos o respeito e reconhecimento como trabalhadores.
Ninguem entende arte, com a devida importância e a cada dia, os artistas transformadores morrem.
Ninguem tem interesse que os transformadores progridam e muito menos que sobrevivam. Não nesse sistema capitalista selvagem.
Bjs
Balaio Variado
Sou professor da rede pública e convivo constantemente com a falta de incentivo de alguns colegas meus que ameaçam abandonar essa carreira que foi muito valorizada há decadas e agora as autoridades fazem de tudo para o professor pedir exoneração através de visitas não anunciadas às escolas públicas que sofreram baixo índice de desempenho escolar.
ResponderExcluirO governo envia representantes para relatar os defeitos e depois saem silenciosamente sem dar incentivos para a escola progredir.
Por isso, bato sempre na tecla a respeito da seguinte frase: "O aluno é que faz a escola". Enquanto as autoridades ficam brincando de governar, os estudantes deveriam arregaçar as mangas e começar a dar valor à leitura, como forma de mostrar a esses engomadinhos que não se brinca com a educação, o único caminho para formar verdadeiros formadores de opiniões.