quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Nossa vida o “ser”



Cultura é um processo que não se faz sozinho, o resultado das formas de agir, sentir e pensar de uma coletividade. As diferenças das nossas individualidades não são computadas de forma isoladas, mas agrupadas de forma que se pode dizer que o coletivo é construído como o resultado da aprendizagem interna coordenada com o fluxo externo. Desde muito pequenos somos solicitados a aprender regras de convivência e quanto mais jogamos, mais contato temos com sentimentos como a inveja e o ciúme. As brincadeiras de criança deveriam nos ensinar muito, tanto a respeito de nós mesmos, quanto dos nossos adversários. Irmãos brigam quando estão jogando, passam por cima das regras, roubam , criam estratégias, mas muitos apenas brincam, divertem-se durante o processo. A observação do comportamento infantil remete-nos ao ser adulto. As reações podem ser contidas, mas a natureza humana continua lá, à espreita, esperando o momento de se manifestar.
Vencer na vida nem sempre significa a vitória do ser. A palavra vitória se associa rapidamente ao sucesso, ao reconhecimento social, à realização financeira, mesmo que para isso seja necessário trapacear no jogo. Isto é regra geral, o que significa que exceções existem. Nem o mais radical dos juízes ousaria transformar o mundo em uma massa única e compacta, até mesmo o conceito de “massa” tem tempo de validade. As pessoas se reúnem por um motivo e assim que a motivação cessa, ela se desfaz. Campanhas políticas evidenciam bem este processo e pode-se até afirmar que o sucesso de uma ação política, com vistas ao bem comum, é o resultado da aprendizagem da infância. Voltando ao foco, a vida proporciona inúmeras situações para que o indivíduo se realize como ser, mas sempre o homem precisará lançar mão dos seus conteúdos internos, da sua escala de valores e dos seus princípios éticos para não sucumbir à própria natureza.
Já usamos este espaço para falar do egoísmo, um sentimento comum e necessário a todas as pessoas, e de como as graduações dele podem ser benéficas ou não para o crescimento interno. Construir o coletivo não é uma utopia. Comunidades mais civilizadas são capazes de sonhar no plural e no jogo entre a vida e o ser há empate técnico. Claro que não é uma tarefa fácil, mas é perfeitamente possível desde que se tenha a noção de ordem e a percepção de distinguir na multiplicidade de indivíduos, os elementos semelhantes que os aglutinam. Assim, o que falta em um pode ser suprido pelo outro. O que não pode acontecer é que apenas um tente suprir tudo que falta nos outros. Neste caso não há nada de coletivo, mas um arranjo disfarçado da equipe para não ter que assumir as próprias responsabilidades. Visto sob este prisma, a vida continua ganhando o jogo e aquele que busca os bens espirituais, materiais, morais e intelectuais, de acordo com as afinidades do bem comum tem a sensação de estar sempre perdendo e, não raro, acredita que a compensação e reconhecimento estão do outro lado da vida. Desistir, no entanto não é a solução. Lutar sim. Jogar até o fim sem perder de vista que há uma interdependência entre o coletivo e o individual e é a partir da consciência individual que se forma a consciência coletiva e esta orienta as práticas políticas, econômicas, religiosas e de direito.
A dualidade do ser humano o coloca num conflito milenar entre o bem e o mal, entre o bom e o mau e nem sempre os anseios de ordem material coincidem com os de ordem espiritual. Quando se trata de uma pessoa pública, os interesses particulares não podem sobrepor-se ao coletivo e exige além do bom ouvido, uma dose muito grande de intuição para perceber os componentes morais desde a equipe que lhe serve, à comunidade que pretende servir. Estar consciente do bem coletivo significa colaborar de maneira eficiente, com intenções saudáveis para realizar o melhor possível dentro de um alto espírito patriótico e público. No jogo da vida contra o ser, a arrogância, a vaidade intelectual, induzem à estratégia errada. Leva o concorrente a pensar que sabe tudo o que o outro quer, ou seja, acredita que conhece as cartas que outro na mão e pode descartar o que o outro precisa e segurar para si, o que o outro teria por descarte. Proporcionar à comunidade o que ela quer e não aquilo que “achamos” que ela necessita é sinal de organização política. Criar necessidades é como amarrar nós para o futuro. Uma visão caolha, imediatista, não enxerga longe e ficará sempre com a impressão de ser traída em sua boa intenção.

Kleber Adorno no DM.

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