Pudim de macho

Não sei exatamente quem escreve os livros de receita, mas tenho certeza de que não está nem aí para o fato de que, num momento de desespero, um homem possa fazer uso das dicas ali contidas. Se houvesse essa preocupação, certamente haveria um maior volume de detalhes que eliminariam as dúvidas com a cotidiana arte da gastronomia. Em função disso, proponho aqui uma receita de pudim de macho, para facilitar as tentativas de quem deseja agradar à patroa.
Vamos à bagaça, então. Primeiro tenha certeza de que não há vasilhas sujas na pia. É algo importante. Pudim pega cheiro fácil. Logo, largue de preguiça e exume as louças imundas. Depois de higienizar a parada, separe duas latas de leite condensado. Lave-as com detergente e bucha, em movimentos circulares. Reserve num canto asseado. Separe uma vasilha – para este caso, recomendo alguma entre sete e dez centímetros de raio e dez centímetros de altura. Isso evita lambaça futura.
Coloque numa fôrma circular com volume central – peça uma própria para pudim na loja – o equivalente a dois copos americanos e meio de açúcar cristal. Ponha a chama do fogão em fogo baixo. Pegue uma colher de pau e mexa até o negócio derreter. Fica um caldo grosso, meio marrom. Mas mexa, cara. Senão o troço não presta. Enquanto isso, siga o resto da receita abaixo.
Pegue o abridor de cerveja da gaveta de talheres. Lave-o. O gancho que fica à esquerda do equipamento deve ser introduzido na lata de leite condensado em ângulo reto, perpendicular, fazendo leve pressão na porção anterior do equipamento. Isso deve produzir um movimento circular que vai abrir a lata. Faça isso em ambas embalagens. Coloque o leite condensado na vasilha. Reserve.
Pegue quatro ovos. Não os lave – salvo em caso de ainda haver bosta de galinha neles. Separe um prato fundo e um copo. O esquema é quebrar o ovo com um leve choque de sua casca na borda da pia. Despeje o conteúdo primeiro no copo. Isso evita que, caso esteja choco, o faça perder serviço. Ovo choco é aquele que tem um pinto dentro. Fede mais ou menos como seu bafo em uma manhã seguinte à noitada de pizza e cerveja. Evite-os.
Beleza. Assim que checar a integridade do ovo – a parte amarelada é a gema e a clara, bem, é a clara – despeje no prato fundo. Ovo é igual m&#$*@: quanto mais se mexe, mais fede. Bata-os à mão. Isso significa pegar um garfo – o mesmo que você utiliza para comer –, introduzi-lo nos restos do ovo e girá-lo. Deve ser feito em ligeiros movimentos circulares do punho, de maneira que raspe o fundo do prato e a superfície da gororoba. Bata até começar a virar uma pasta uniforme. É quase igual a uma bronha.
Preencha uma das latas vazias de leite condensado com leite normal, de vaca, até dois centímetros da tampa. Despeje na vasilha com leite condensado e misture. A batida aqui tem uma técnica própria. Faça rápidos movimentos circulares no centro da vasilha, em raio curto, de até dois centímetros; ao perceber a movimentação da massa nas bordas da panela, amplie o diâmetro da movimentação, de maneira a alcançá-la nas extremidades. Repita a operação até tudo estar na mesma densidade. Pode, inclusive, colocar entre três e cinco gotas de essência de baunilha; ou, ainda, uma dose de Cointreau ou outra birita destilada para dar um gostinho.
Despeje a massa de ovos na de leite condensado por meio de uma peneira fina. Há uma proteína branca que fica junto à gema. As mulheres chamam de gala. Eu não sei o nome desse troço. A peneira serve para coar a nojeira. Não empurre a “gemada” pela peneira. O que filtrar é o que vale. Junto a isso, coloque mais uma dose de leite de vaca em uma lata vazia de leite condensado, com a mesma medida anterior, e um pouco de farinha de trigo, que equivale ao teor raso de uma colher de comer marmitex, limpa. Misture isso na massa já previamente batida.
Agora, o grande truque: banho-maria. Não precisa colocar a empregada pelada. É mais simples. Coloque quatro centímetros de água numa panela maior do que a forma em que está o açúcar derretido; ponha a forma dentro da panela. Jogue a massa de leite e ovos sobre o açúcar e não mexa. Deixe cozinhar em fogo brando até uma adquirir consistência que parece a de pamonha mole. Enquanto isso, pré-aqueça o forno.
A temperatura do forno deve ficar na casa dos 180 graus Celsius. O bastante para dar um trato numa pizza congelada. Retire com luvas a fôrma da panela e a coloque num tabuleiro de bolo maior, com água dentro. Ponha ali até a crosta da massa ficar dourada, mais ou menos no tom de pele das musas do verão. Depois, coloque uma travessa limpa na boca da fôrma e a vire para baixo. O pudim deve sair inteiro. A calda do bicho é aquela que cozinhou e está na parte interna da fôrma. Tire com colher e coloque no buraco que é, na verdade, o miolo do doce. Pronto. Agora é só saciar a larica.

Victor Hugo Lopes.

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