Antes da era digital, em quase todas as famílias
existia um álbum de fotos. Lá estavam as nossas lembranças, os nossos registros
afetivos, a nossa saudade. Muitas vezes abríamos o álbum e a imaginação voava.
Era bem legal.
Agora, fotografamos tudo e arquivamos
compulsivamente. Nosso antigo álbum foi substituído pelas galerias de fotos de
nossos dispositivos móveis. Temos overdose de fotos, mas falta o mais
importante: a memória afetiva, a curtição daqueles momentos. Fica para depois.
E continuamos fotografando e arquivando. Pensamos, equivocadamente, que o
registro do momento reforça sua lembrança, mas não é assim. Milhares de fotos
são incapazes de superar a vivência de um instante. É importante guardar
imagens. Mas é muito mais importante viver cada momento com intensidade.
Algo análogo, muito parecido mesmo, ocorre com o
consumo da informação. Navegamos freneticamente no espaço virtual. Uma
enxurrada de estímulos dispersa a inteligência. Ficamos reféns da
superficialidade. Perdemos contexto e sensibilidade crítica. A fragmentação dos
conteúdos pode transmitir certa sensação de liberdade. Não dependemos,
aparentemente, de ninguém. Somos os editores do nosso diário personalizado.
Será? Não creio, sinceramente. Penso que há uma crescente nostalgia de
conteúdos editados com alma, rigor, critério e qualidade técnica e ética. Há
uma demanda reprimida de reportagem. É preciso reinventar o jornalismo e
recuperar, num contexto muito mais transparente e interativo, as competências e
a magia do jornalismo de sempre. É preciso olhar para trás para dar saltos
consistentes.
Jornalismo sem alma e sem rigor. É o diagnóstico de
uma doença que contamina inúmeras redações. O leitor não sente o pulsar da
vida. As reportagens não têm cheiro do asfalto. As empresas precisam repensar
os seus modelos e investir poderosamente no coração. É preciso dar novo brilho
à reportagem e ao conteúdo bem editado, sério, preciso, isento. O prestígio de
uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade
não se edifica com descargas de adrenalina.
É preciso contar boas histórias. Com transparência
e sem filtros ideológicos. O bom jornalista ilumina a cena, o repórter
manipulador constrói a história. Na verdade, a batalha da isenção enfrenta a
sabotagem da manipulação deliberada, da preguiça profissional e da
incompetência arrogante. Todos os manuais de redação consagram a necessidade de
ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Mas alguns procedimentos, próprios de
opções ideológicas invencíveis, transformam um princípio irretocável num jogo
de aparência.
A apuração de mentira representa uma das mais
graves agressões à ética e à qualidade informativa. Matérias previamente
decididas em guetos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente.
A decisão de ouvir o outro lado não é honesta, não se apoia na busca da
verdade, mas num artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção de
imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar:
repercussão seletiva. O pluralismo de fachada, hermético e dogmático, convoca
pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir. Mata-se a
notícia. Cria-se a versão.
A crise do jornalismo está intimamente relacionada
com a perda de qualidade do conteúdo, com o perigoso abandono de sua vocação
pública e com sua equivocada transformação em produto mais próprio para consumo
privado. É preciso recuperar o entusiasmo do "velho ofício". É
urgente investir fortemente na formação e qualificação dos profissionais. O jornalismo
não é máquina, tecnologia, embora se trate de suporte importantíssimo. O valor
dele se chama informação de alta qualidade, talento, critério, ética, inovação.
Sem jornalismo público, independente e qualificado,
o futuro da democracia é incerto e preocupante. O jornalismo precisa recuperar
a vibração da vida, o cara a cara, o coração e a alma.
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