Esquizofrenia atinge 1% da população e apresenta quadro ainda pouco
compreendido pelas pessoas. Doença pode ser um estopim para o uso de drogas.
Família deve buscar informações para melhorar vida dos pacientes
Algumas pessoas pensam que o apresentador William Bonner, da rede Globo,
conversa com elas pela televisão. E elas respondem. Delírios, alucinações e
discursos desorganizados são alguns dos comportamentos de pacientes que
apresentam um quadro de esquizofrenia. Doença grave, ela precisa de tratamento.
Os sintomas geralmente iniciam-se na adolescência ou no começo da idade adulta,
afetando cerca de 1% da população mundial.
“Um de meus pacientes tinha como único sintoma o fato de achar que o
William Bonner, do Jornal Nacional, conversava com ele através da televisão.
Outra de minhas pacientes simplesmente parou de trabalhar, ficou apática dentro
de casa, achando o tempo todo, e mesmo após vários exames negativos, que
simplesmente tinha algo de errado com seu corpo”, relata o médico psiquiatra,
Marcelo Caixeta, ao explicar alguns dos sintomas que aterrorizam os portadores
da esquizofrenia.
A doença apresenta outros sintomas, como as alucinações, representadas
por alterações da percepção. Um exemplo seria ouvir vozes sem que haja um
estímulo real. Mas existem outros: o discurso desorganizado, um distúrbio que
prejudica a comunicação e linguagem do paciente. O embotamento afetivo, quando
o portador da esquizofrenia apresenta uma capacidade reduzida de expressar
emoções. A anedonia, uma incapacidade de sentir prazer. Avolição, quando o
paciente apresenta falta de vontade, apatia e, por fim, o isolamento social.
A esquizofrenia é uma doença proveniente de fatores genéticos, de acordo
com o especialista. “O indivíduo já nasce com problemas cerebrais e estes vão
se avolumando até a adolescência. São problemas decorrentes da dificuldade na
sinaptogênese, ou seja, há dificuldades em que determinadas áreas cerebrais
comuniquem-se com outras por meio das ligações sinápticas, que são as ligações
que se estabelecem entre as células nervosas, os neurônios, no decorrer do
desenvolvimento.”
No entanto, além da genética, fatores externos relacionados ao ambiente
também podem exercer influência. O médico psiquiatra e pesquisador do Programa
de Reconhecimento e Intervenção em Estados Mentais de Risco (Prisma), da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Elson Asevêdo, explica que “esses
fatores ambientais podem ser precoces, como complicações na gravidez ou no
parto, ou mais tardios como experiências de abuso na infância, uso de drogas,
em especial a maconha, e condições de exclusão ou segregação social, como
ocorre com algumas populações imigrantes”.
Para o psiquiatra Marcelo Caixeta, é muito comum que a esquizofrenia
seja confundida com outras doenças. Alguns pacientes podem ser tidos como
depressivos devido à apatia. E o contrário ocorre também: pacientes bipolares
que deliram ou alucinam podem ser diagnosticados erroneamente como
esquizofrênicos. O erro no diagnóstico pode ser muito prejudicial, visto que os
tratamentos são na maioria das vezes diferentes.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da esquizofrenia é realizado através de uma análise dos
sintomas clínicos e dado por um psiquiatra através de uma entrevista detalhada
com o paciente e familiares. Nela o discurso e comportamentos do paciente são
observados criteriosamente. Já o tratamento tem como base o uso de medicação
antipsicótica, cujo intuito é diminuir os delírios e alucinações.
No entanto, o psiquiatra Elson Asevêdo aponta a existência de outros
dois fatores importantes para o tratamento: reabilitação funcional e a
prevenção de recaídas. “Outras estratégias, como terapia ocupacional,
psicoterapias, terapias familiares com foco na compreensão e no enfrentamento
da doença são muito importantes no processo de recuperação e reinserção social
do portador de esquizofrenia. O suporte social seja através da família, dos
amigos ou de recursos da comunidade é também essencial nesse processo”, diz.
Doença é porta de entrada para dependência química
É de extrema importância a continuidade no tratamento, pois em sua
ausência os surtos psicóticos tornam-se mais frequentes e graves.
Quando o tratamento não é realizado a tendência para o paciente é a
perda da vida independente e de relacionamentos saudáveis, além da
possibilidade de desenvolver outras doenças e hábitos nada benéficos, como a
depressão, dependência de drogas, alcoolismo e tabagismo, piorando
consideravelmente a qualidade de vida do portador.
Por outro lado, se o tratamento é feito de forma adequada e continuada,
é muito frequente que o paciente tenha uma vida saudável e feliz.
ESQUIZOFRENIA
O campo da psiquiatria tem nas últimas décadas se empenhado no estudo de
possibilidades para prevenção de quadros graves, como o da esquizofrenia.
Até o momento não se tem uma resposta definitiva para este problema,
porém existem medidas que parecem promissoras, como a redução dos fatores
ambientais que comprovadamente contribuem para a manifestação da doença,
acompanhamento pré-natal adequado, reconhecimento precoce de exposição à
violência na infância e a prevenção do uso da maconha durante a adolescência
podem reduzir as chances de adoecimento.
Familiares têm importância central no tratamento
A medida inicial a ser tomada pelos familiares é tentar reconhecer os
primeiros sintomas e procurar um médico para iniciar estratégias de tratamento.
Os primeiros sinais são geralmente insônia, inquietação, irritação, aumento da
ansiedade e piora do isolamento.
A partir do momento em que a crise se instala o mais importante passa a
ser a garantia da segurança do portador de esquizofrenia e de sua família, pois
todos estão assustados. O paciente, porque a vivência da crise lhe traz dor e
sofrimento. E a família, por não saber o que fazer ou não entender o que está
acontecendo.
SERENIDADE
O psiquiatra Elson Asevêdo aconselha então a manter uma atitude
acolhedora e serena. “Não é o momento de confrontar ou argumentar. O médico
responsável pelo tratamento deve ser imediatamente acionado e o paciente deve
passar por uma avaliação de urgência. Muitas vezes uma internação hospitalar
pode ser necessária”, explica.
No dia a dia o conselho do psiquiatra Marcelo Caixeta é tratar o
paciente como qualquer outra pessoa. “Com respeito, carinho e, quando possível,
atividades ocupacionais. Isto é muito importante, pois estes pacientes tendem a
entregar-se muito facilmente à apatia e ao comodismo”, diz. Para ele o portador
da esquizofrenia tem que ser apoiado, ensinado e orientado pelo médico, pela
família e pelos amigos.
Muitos pacientes conseguem ter uma vida funcional, trabalham, têm
filhos, família e se sentem úteis. Mas tudo depende da disciplina de cada
paciente. “Se o paciente tiver disciplina, comer bem, evitar café, cigarro,
drogas, dormir corretamente, evitar excessos, ódio, agressividade, seguir
corretamente as ordens médicas, pode ter uma vida relativamente boa e feliz”,
afirma Caixeta.
Infelizmente, a doença é cercada por preconceitos. Para combatê-los,
nada melhor do que a informação. Pacientes e seus familiares devem se informar
melhor sobre a doença e o tratamento. “Chamamos essa estratégia de
psicoeducação. Está mais do que provado que, quando a família e o paciente
obtêm essa informação, o tratamento é mais bem-sucedido. Um ótimo recurso para
as primeiras informações sobre esquizofrenia é o livro Entre a Razão e a Ilusão
– Desmitificando a Esquizofrenia, escrito por um portador de esquizofrenia”,
diz o psiquiatra Elson Asevêdo.
A obra é assinada por Rodrigo Affonseca Bressan, Cecília Cruz Villares,
Jorge Cândido de Assis e mostra literalmente o que é enlouquecer, as
dificuldades e soluções possíveis.
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