segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Entre a realidade e o delírio


Esquizofrenia atinge 1% da população e apresenta quadro ainda pouco compreendido pelas pessoas. Doença pode ser um estopim para o uso de drogas. Família deve buscar informações para melhorar vida dos pacientes

Algumas pessoas pensam que o apresentador William Bonner, da rede Globo, conversa com elas pela televisão. E elas respondem. Delírios, alucinações e discursos desorganizados são alguns dos comportamentos de pacientes que apresentam um quadro de esquizofrenia. Doença grave, ela precisa de tratamento. Os sintomas geralmente iniciam-se na adolescência ou no começo da idade adulta, afetando cerca de 1% da população mundial.
“Um de meus pacientes tinha como único sintoma o fato de achar que o William Bonner, do Jornal Nacional, conversava com ele através da televisão. Outra de minhas pacientes simplesmente parou de trabalhar, ficou apática dentro de casa, achando o tempo todo, e mesmo após vários exames negativos, que simplesmente tinha algo de errado com seu corpo”, relata o médico psiquiatra, Marcelo Caixeta, ao explicar alguns dos sintomas que aterrorizam os portadores da esquizofrenia.
A doença apresenta outros sintomas, como as alucinações, representadas por alterações da percepção. Um exemplo seria ouvir vozes sem que haja um estímulo real. Mas existem outros: o discurso desorganizado, um distúrbio que prejudica a comunicação e linguagem do paciente. O embotamento afetivo, quando o portador da esquizofrenia apresenta uma capacidade reduzida de expressar emoções. A anedonia, uma incapacidade de sentir prazer. Avolição, quando o paciente apresenta falta de vontade, apatia e, por fim, o isolamento social.
A esquizofrenia é uma doença proveniente de fatores genéticos, de acordo com o especialista. “O indivíduo já nasce com problemas cerebrais e estes vão se avolumando até a adolescência. São problemas decorrentes da dificuldade na sinaptogênese, ou seja, há dificuldades em que determinadas áreas cerebrais comuniquem-se com outras por meio das ligações sinápticas, que são as ligações que se estabelecem entre as células nervosas, os neurônios, no decorrer do desenvolvimento.”
No entanto, além da genética, fatores externos relacionados ao ambiente também podem exercer influência. O médico psiquiatra e pesquisador do Programa de Reconhecimento e Intervenção em Estados Mentais de Risco (Prisma), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Elson Asevêdo, explica que “esses fatores ambientais podem ser precoces, como complicações na gravidez ou no parto, ou mais tardios como experiências de abuso na infância, uso de drogas, em especial a maconha, e condições de exclusão ou segregação social, como ocorre com algumas populações imigrantes”.
Para o psiquiatra Marcelo Caixeta, é muito comum que a esquizofrenia seja confundida com outras doenças. Alguns pacientes podem ser tidos como depressivos devido à apatia. E o contrário ocorre também: pacientes bipolares que deliram ou alucinam podem ser diagnosticados erroneamente como esquizofrênicos. O erro no diagnóstico pode ser muito prejudicial, visto que os tratamentos são na maioria das vezes diferentes.

DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da esquizofrenia é realizado através de uma análise dos sintomas clínicos e dado por um psiquiatra através de uma entrevista detalhada com o paciente e familiares. Nela o discurso e comportamentos do paciente são observados criteriosamente. Já o tratamento tem como base o uso de medicação antipsicótica, cujo intuito é diminuir os delírios e alucinações.
No entanto, o psiquiatra Elson Asevêdo aponta a existência de outros dois fatores importantes para o tratamento: reabilitação funcional e a prevenção de recaídas. “Outras estratégias, como terapia ocupacional, psicoterapias, terapias familiares com foco na compreensão e no enfrentamento da doença são muito importantes no processo de recuperação e reinserção social do portador de esquizofrenia. O suporte social seja através da família, dos amigos ou de recursos da comunidade é também essencial nesse processo”, diz.
Doença é porta de entrada para dependência química
É de extrema importância a continuidade no tratamento, pois em sua ausência os surtos psicóticos tornam-se mais frequentes e graves.
Quando o tratamento não é realizado a tendência para o paciente é a perda da vida independente e de relacionamentos saudáveis, além da possibilidade de desenvolver outras doenças e hábitos nada benéficos, como a depressão, dependência de drogas, alcoolismo e tabagismo, piorando consideravelmente a qualidade de vida do portador.
Por outro lado, se o tratamento é feito de forma adequada e continuada, é muito frequente que o paciente tenha uma vida saudável e feliz.
ESQUIZOFRENIA
O campo da psiquiatria tem nas últimas décadas se empenhado no estudo de possibilidades para prevenção de quadros graves, como o da esquizofrenia.
Até o momento não se tem uma resposta definitiva para este problema, porém existem medidas que parecem promissoras, como a redução dos fatores ambientais que comprovadamente contribuem para a manifestação da doença, acompanhamento pré-natal adequado, reconhecimento precoce de exposição à violência na infância e a prevenção do uso da maconha durante a adolescência podem reduzir as chances de adoecimento.

Familiares têm importância central no tratamento
A medida inicial a ser tomada pelos familiares é tentar reconhecer os primeiros sintomas e procurar um médico para iniciar estratégias de tratamento. Os primeiros sinais são geralmente insônia, inquietação, irritação, aumento da ansiedade e piora do isolamento.
A partir do momento em que a crise se instala o mais importante passa a ser a garantia da segurança do portador de esquizofrenia e de sua família, pois todos estão assustados. O paciente, porque a vivência da crise lhe traz dor e sofrimento. E a família, por não saber o que fazer ou não entender o que está acontecendo.
SERENIDADE
O psiquiatra Elson Asevêdo aconselha então a manter uma atitude acolhedora e serena. “Não é o momento de confrontar ou argumentar. O médico responsável pelo tratamento deve ser imediatamente acionado e o paciente deve passar por uma avaliação de urgência. Muitas vezes uma internação hospitalar pode ser necessária”, explica.
No dia a dia o conselho do psiquiatra Marcelo Caixeta é tratar o paciente como qualquer outra pessoa. “Com respeito, carinho e, quando possível, atividades ocupacionais. Isto é muito importante, pois estes pacientes tendem a entregar-se muito facilmente à apatia e ao comodismo”, diz. Para ele o portador da esquizofrenia tem que ser apoiado, ensinado e orientado pelo médico, pela família e pelos amigos.
Muitos pacientes conseguem ter uma vida funcional, trabalham, têm filhos, família e se sentem úteis. Mas tudo depende da disciplina de cada paciente. “Se o paciente tiver disciplina, comer bem, evitar café, cigarro, drogas, dormir corretamente, evitar excessos, ódio, agressividade, seguir corretamente as ordens médicas, pode ter uma vida relativamente boa e feliz”, afirma Caixeta.
Infelizmente, a doença é cercada por preconceitos. Para combatê-los, nada melhor do que a informação. Pacientes e seus familiares devem se informar melhor sobre a doença e o tratamento. “Chamamos essa estratégia de psicoeducação. Está mais do que provado que, quando a família e o paciente obtêm essa informação, o tratamento é mais bem-sucedido. Um ótimo recurso para as primeiras informações sobre esquizofrenia é o livro Entre a Razão e a Ilusão – Desmitificando a Esquizofrenia, escrito por um portador de esquizofrenia”, diz o psiquiatra Elson Asevêdo.
A obra é assinada por Rodrigo Affonseca Bressan, Cecília Cruz Villares, Jorge Cândido de Assis e mostra literalmente o que é enlouquecer, as dificuldades e soluções possíveis.
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