Nunca
os flashes pipocaram tantas fotos em meio à escuridão da falta de sentido
original. Nunca as lentes fotográficas captaram tantos sorrisos armados,
automáticos e gélidos. Nunca a humanidade escreveu tantas apressadas e
abreviadas palavras. Voltamos a curvar o corpo andando como zumbis pelas ruas
das cidades.
Perdemos
o respeito pelos outros passeando nossos dedos pela tela de um aparelhinho na
palma da mão. Nunca as pessoas vivas, de carne e osso foram tão invísiveis para
nós como nesses últimos anos. Nunca estivemos tão míopes, querendo enxergar a
realidade dos outros. Nunca fomos tão demasiadamente o que os outros querem que
nós sejamos. Nunca rimos tanto sem achar sabemos orque e a quem reclamamos.
Nunca
fomos tão alienados pelos interesses dos outros. Nunca pensamos tão pouco, tão
curto e tão superficialmente como agora. Nunca falamos tão mal do tempo, do
calor, do frio, da chuva, da falta de água. Nunca fingimos tanto. Nunca
mostramos o que não somos, para quem não gostamos como nesses novos tempos.
Nunca nos endividamos tanto em busca de uma felicidade exterior. Nunca mentimos
como agora, para enganar nossas frustrações. Nunca tivemos tantos “amigos” ao
mesmo tempo em que convivemos tão sós. Deixamos de ouvir, de olhar nos olhos,
de namorar demoradamente. Nunca tivemos memória tão curta. Nunca perdemos a
noção de tempo como hoje. Nunca fomos tão ignorantes aos sinais da natureza.
Nunca estivemos tão doentes de nós mesmos.
Nunca esquecemos tão rapidamente de nossos amigos que estão morrendo. Nunca comemos
e dirigimos tão mal e apressadamente como agora. Nunca nos idiotizamos de forma
robotizada e estúpida como atualmente. Nunca ignoramos tantas pessoas ao mesmo
tempo. Nunca demonstramos tanta inutilidade existêncial diante de nossa
subserviência à máquina, às telas e aos teclados.
O
sucesso nunca foi tão efêmero. O gosto musical nunca foi tão rebaixado como
agora. Nunca se tocou tanta porcaria nas rádios, se mostrou tanta irrelevância
na TV e se propagou tanta asneira como nesse tempo de hoje. Nunca a fé foi tão
comercial. Nunca homens e mulheres foram considerados tão culpados pelos seus
fracassos como agora. Nunca houve tantos fracassados, nem tantas pessoas
dispostas a mostrar o caminho do sucesso, vendendo livros de autoajuda.
Nunca
fomos tão carentes de abraços, de sorrisos e de apertos de mão. Nunca corremos
tanto sem ter um lugar para chegar. Nunca estivemos tão distantes para quem
está tão perto e tão “próximos” para quem está longe. Nunca escrevemos ou
falamos “eu te amo” sem sentido algum como agora. Nunca fomos tão enganados por
esperanças e ilusões que acreditamos existirem, mesmo sabendo que quem nos
conta são mentirosos. Deixamos de celebrar um simples almoço, um jantar com as
pessoas que nos fazem bem, porque, enfrentamos como nunca, tantas filas para
“comer fora”.
Enfim,
nunca nos enganamos tanto como agora, mesmo sabendo que lá dentro, em nossa
essência, o nosso mais profundo eu, vai um dia cobrar sua parte. Agora como
sempre.
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