De
repente, vi toda minha vida resumida e confinada em um centro cirúrgico. Mas
até chegar lá, vários foram os passos dados. Embora todos os exames preventivos
tenham sido realizados e nenhuma alteração mais significativa constatada, o
urologista entendia ser o toque o melhor diagnóstico para a prevenção de
problemas na próstata. Exame realizado e a solicitação de uma biópsia em vista
de pequena calosidade naquela glândula. Adiei ao máximo tal procedimento pois
eu não constatava, aparentemente, nenhum sintoma considerável. Eis aí o grande
engano de nós leigos no assunto. Mas por insistência das pessoas que me cercam,
certo dia resolvi realizar o solicitado exame. Qual não foi a minha surpresa
que dos doze microscópicos fragmentos pinçados, um acusava a presença de
células cancerígenas em fase inicial. Solução: cirurgia visando eliminar o mal
pela raiz. Exames pré-operatórios. Tudo dentro dos parâmetros normais. Foi após
tudo isso que me vi, numa manhã de sábado, no centro cirúrgico para realização
do procedimento.
Cirurgia
não muito complicada mas delicada e que exige do profissional médico perícia e
habilidade extras, em vista das consequências que podem advir. A despeito de
todo cuidado da equipe médica, após três horas e meia eu já um pouco desperto,
reclamei de dores, no que é solicitado ao anestesiologista a aplicação de mais
um pouco do anestésico. Assim foi feito. Naquele momento, ouço o mesmo dizendo
que eu empalidecia gradativamente. Foram, naquele momento, as últimas palavras
que consegui ouvir e entender.
Após
longo tempo, ainda no centro cirúrgico e já acordado, fui encaminhado para uma
noite na UTI visando total restabelecimento. No dia seguinte, já no
apartamento, fiquei sabendo pelo meu médico que havia sofrido uma parada
respiratória, talvez em função de alergia à aplicação de mais um pouco da
anestesia, o que exigiu intervenções de emergência para o pronto
restabelecimento das funções vitais do meu organismo, em especial da
respiração.
Diante
de todo ocorrido, passei a meditar sobre essa linha imaginária e divisória
entre a vida e a morte. E a primeira constatação que o anjo da morte nos
inspira é que termina a vida presente com todos os sofrimentos e injustiças que
lhe andam associados. Além disso, a morte é justiceira para esta vida onde a
injustiça é tão frequente.
Tantas
vezes triunfa os injustos, os traidores e fica vencida a honra e a dignidade e
assim muitos se desesperam. Mas quando nos pesarem as inúmeras injustiças desta
vida terrena e passageira, é salutar irmos até ao cemitério, até ao meio dos
mortos silenciosos e num momento se apaziguará o nosso coração rebelde.
Sim, a
morte é justiceira! Diante dela nada vale a pompa, o orgulho, o desprezo pelos
menos favorecidos, a insensatez, a ganância e muito menos a posição que se
ocupava na hora derradeira. Não há possibilidade de a subordinarmos ou
subornarmos com dinheiro nem com sorrisos. Diante dela nada vale as proteções,
as vênias e a formosura.
Talvez
muitos conheçam a velha lenda alemã, referente aos sinos de Espira: “Morreu um
pobre – assim reza a lenda – e começou a soar na torre o grande sino imperial,
que somente costumava tocar na morte dos imperadores. O povo exclama: morreu o
imperador, morreu o imperador. Mais tarde, morreu de fato o imperador, que
então era Henrique V, e então, só se ouviu o sino pequeno e todos perguntavam:
quem será o pobre pecador que hoje compareceu perante o tribunal divino?” Não é
difícil compreender o fino simbolismo desta lenda.
Que
justiceira é a morte! Diante dela desaparecem todas diferenças terrenas, porém,
manifesta-se a diferença verdadeira, que é o valor espiritual. Desta maneira, a
morte nivela as grandes desigualdades humanas. É ela que nos coloca frente a um
juiz a quem não se pode subornar. Pouco importa que tenhamos tido posição
elevada ou humilde, que tenhamos sido ricos ou pobres, descendentes de nobre
linhagem ou deu ma família sem bens e humilde, imperador ou mendigo. “Nada
trouxemos para este mundo, nada, também, dele poderemos levar.” E cabe ao ser
humano, limitado como é, muitas vezes adiar um pouco mais essa imutável
realidade. Podemos, também, evitar sofrimentos acreditando na habilidade de um
profissional da saúde, que é capaz de transformar a ideia sobre a prevenção de
uma doença que assola e ceifa vidas de homens em virtude do conceito errôneo e
o preconceito machista e ignorante de não compreender que o exame de toque nos
traz a possibilidade de prorrogarmos e aproveitarmos muito mais a vida que nos
foi concedida de graça pelo Criador.
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