A raiva e o prazer

Habitualmente, indivíduos irritados e raivosos imprimem uma sensação de mal-estar nas pessoas que presenciam suas manifestações, seja através da expressão facial ou corporal ou pelas atitudes verbais ou físicas. Comumente não apreciamos os comportamentos irritadiços, pelo contrário, tendemos a nos afastar deles ou reagir com desagrado.
Sabe-se, através dos estudos da emoção, que o simples fato de ficarmos próximos a pessoas irritadas já é o suficiente para nos provocar desconfortos emocionais e consequentemente físicos. Numerosas pesquisas validam a teoria de que estar em companhia de pessoas equilibradas emocionalmente, positivas, alegres, bem-humoradas e otimistas nos traz boas sensações e bem-estar.
Fugindo à regra, há o tipo de indivíduo que gosta de presenciar expressões de raiva nos outros. Um estudo da Universidade de Michigan, publicado na revista Physiology and Behavior, revelou que algumas pessoas acham expressões de raiva tão gratificante que elas aprendem rapidamente uma maneira de estimulá-las. Para Oliver Schultheiss, coautor do estudo, “é meio surpreendente que uma expressão facial de raiva é conscientemente valorizada como um sinal muito negativo por quase todos, mas a um nível não-consciente pode ser como um saboroso petisco que algumas pessoas vão vigorosamente degustar”. As descobertas podem explicar por que algumas pessoas gostam tanto de provocar um ao outro, acrescentou.
Os pesquisadores utilizaram o método de coleta de amostra de salivas para medir a testosterona, um hormônio que tem sido associado com a motivação de dominância. Os participantes que apresentaram o nível de testosterona elevado foram mais atraídos por imagens de rostos zangados do que outros rostos. O estudo revelou que esse resultado foi mais acentuado em resposta aos rostos que foram apresentados de forma subliminar, ou seja, de forma tão rápida que não pudesse permitir a identificação consciente.
Para Michelle Wirth, a principal autora do estudo e pesquisadora pós-doutorada na Universidade de Wisconsin, Madison, a raiva apresentada através dos rostos, no experimento, parecia ser gratificante para pessoas com alta quantidade da testosterona, contrário às reações das pessoas com baixo índice do hormônio, que manifestaram repulsa.
A complexidade psíquica, inerente ao ser humano, permite validar a existência de qualquer manifestação emocional, seja ela a mais esdrúxula. Essa linha de raciocínio é bem explicada através do pensamento de Terêncio, quando ele diz: “Tudo que é humano não me é estranho.”
Diante de inúmeros fatos extravagantes do cotidiano que termina nos afunilando a uma incômoda reação emocional, não podemos nos transformar em mero espectador ou num apedrejador de vidraças, mas tentar compreender a base dessas “estranhas” manifestações e assim, sem perceber, estaremos dando um novo sentido na nossa experiência de vida.
Angustiados e tristes, são mais os que se estranham com os comportamentos esquisitos do que seus autores. A arte está em saber lidar com a perplexidade na sua amplitude, se bem utilizada, ela se transforma na caminhada do conhecimento humano, libertador de toda angústia existencial.
Fica uma pergunta para o nosso sábio “analista interior”: a vivência emocional modifica a quantidade de produção da testosterona ou a quantia da testosterona modifica a reação emocional?

Renner Cândido Rei. (psirennerreis@ig.com.br)

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