quarta-feira, 13 de outubro de 2010
O homem e a negação do seu ser
Algumas pessoas, infelizmente, passam a vida inteira representando personagens e esquecem ou simplesmente negam o seu próprio ser. Querem ser tudo, menos elas mesmas. O filósofo italiano do século XV, Pico Della Mirandola, em sua obra Discurso sobre a dignidade do homem em que faz um estudo sobre a dignidade do homem, revelou que tudo é possível. O homem “moderno” fez dessa revelação a sua regra de vida fundamental.
Não é difícil constatar, por exemplo, que cada ser é o que é pela sua própria natureza, porém, a mesma regra não pode ser aplicada ao homem. Dito de outro modo, o homem é uma exceção no ser. Na visão de Pico della Mirandola, não existe limite intransponível para a sua ação. Ele recebe a vida, mas ele tem o poder de lhe dar a forma: tal é, sem dúvida, a sua grandeza e sua dignidade. O filósofo francês do século XX, Sartre, em sua obra O ser e o nada, revela uma condição inelutável do homem. Afirma de forma categórica que o homem está condenado à liberdade. Porém, nem isso é interessante: ele sonha a cada dia em ser dispensado desse privilégio, busca por todos os meios desembaraçar-se do incômodo presente que o aturdido deus de Pico Della Mirandola l he deu.
Portanto, em seu livro, Sartre procura detalhar de todas as formas as modalidades e as astúcias desse sonho. Ele usa toda a sua sagacidade para descrever a comédia do ser. Que papel está representando um garçom de café quando vem em direção aos clientes a passos um tanto apressados demais, inclina-se com solicitude um tanto exagerada e exprime um interesse por demais solícito pelo pedido do cliente? É simples: ele está fazendo o papel de garçom de café. E essa obrigação não é diferente da que se impõe a todos os comerciantes: seu comportamento é todo cerimonioso, o público exige deles que o desempenhem como uma cerimônia; há as danças do merceeiro, do alfaiate, do leiloeiro, pelas quais buscam persuadir sua clientela de que são, nada mais nada menos, que um merceeiro, um leiloeiro, um alfaiate.
Portanto, para Sartre, no fundo, toda a função social é uma ficção social. Todo caráter comporta uma parte de “má-fé”. Não se pode ser doutor ou professor, marginal ou pessoa decente, grande advogado ou grande escritor, temperamental ou blasé, sem dançar seu ser: quando alguém diz “sou muito estrito”, na verdade está assumindo um compromisso com a cólera e, ao mesmo tempo, fazendo uma livre interpretação de detalhes ambíguos do próprio passado. Não existe limite para o “império” da representação: o próprio Homo psychologicus é um comediante. Nenhum rosto verdadeiro se esconde por trás da máscara e dos disfarces com que cada um se fantasia. Não é vasculhando os bas-fonds, descobrindo os segredos que amesquinham, ou dando a conhecer os motivos medíocres que estão por trás de todas as belas ações que se faz prova de clarividência. Acredita-se conhecer o homem quando ele é aviltado. Ora, na verdade, parece que essa desilusão é enganosa porque ela não enxerga os jogos e as tramoias da liberdade, por trás da consistência aparente da natureza. Deste modo, ser homem parece ser, no fundo, simular o homem. Desde que o homem existe, ele finge.
José João Neves Barbosa Vicente. (josebvicente@bol.com.br)
Que belo texto, comente aqui ou no dihitt.
Postado por
William Junior
às
09:20
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Olá amigo...
ResponderExcluirAdorei a mensagem!
Infelizmente vivemos num mundo onde cada vez mais
o homem vive atrás de uma felicidade falsa ou imposta pela sociedade...e para isso passa a vida toda revestido com uma casca totalmente de aparêcia...Esquecendo que a verdadeira felicidade é ter paz interior...é poder deitar-se e realmente descansar!Pois tudo tem um preço na vida...e como filha de DEUS, creio nas suas promessas para SEUS filhos.E uma das suas promessas é..."...DEUS HÁ DE TRAZER A JUÍZO TODAS AS OBRAS, ATÉ AS QUE ESTÃO ESCONDIDAS, QUER SEJAM BOAS, QUER SEJAM MÁS."(Ec12:14)
"O CÉU E A TERRA PASSARÃO,MAS MINHAS PALAVRAS NÃO HÃO DE PASSAR."(Mt 24:35)
Um grande abraço!
DEUS te abençoe muito...
Meu caro amigo William, boa noite!!!
ResponderExcluirÉ uma grande verdade, muitas pessoas passam o tempo todo vivendo de aparências, vivem o que não são ou melhor, não vivem... acabam por viver uma vida sem sabor e sem glória... vive apenas para satisfazer o seu ego.
Parabéns pela excelente postagem, adorei!!!
Grande abraço e muita paz!!!
Muito bom William, gosto do seu estilo, do seu jeito de filosofar, provocando em nós leitores, a necessidade de "CONHECER-SE" conforme já recomendava Sócrates.
ResponderExcluirPaz Profunda amigo.