sábado, 27 de fevereiro de 2010

Urbanoides melancólicos




O celular toca as seis da manhã, acordamos com vontade de dormir mais um pouco. O sol radiante e intruso invade com sua luz a nossa privacidade, levantamos da cama como seres pós-modernos que amam o amor do orgasmo parcial. Não tomamos mais café como antigamente, apenas engolimos o pão seco que rasga a nossa garganta, pois o relógio nos cobra cada minuto e cada segundo os nossos compromissos.

O trânsito irrita, buzinas, semáforos, rotatórias, filas de carros intermináveis, ‘’barbeiros” e “barbeiras” ao volante, catadores de papel fazem cumprir a profecia de Chico Buarque, pois parecem querer “morrer na contramão atrapalhando o tráfego”, o pulmão protesta, pois respiramos gás carbônico e expiramos oxigênio, o semáforo dá-nos a impressão que se eternizou no vermelho, doenças herdadas do trânsito assassino: a gastrite, a úlcera, a enxaqueca, o infarto, um tiro disparado pelos mais nervosos, a cadeira de rodas, motoristas embriagados e o cemitério que sempre sorri quando estamos na direção do volante.

Atrasamos quinze minutos para chegar ao trabalho, o patrão nos “olha atravessado”, não somos homens, não temos sentimentos e nem problemas, para o patrão somos objetos que precisam produzir sempre e quando não produzimos somos descartados, ai que vontade de fazer um “gesto obsceno” para o patrão, mas voltamos atrás, pois pensamos nos nossos filhos, na “boca que nunca para”, no pão nosso de cada dia, lembramos do antigo ditado: “quem não trabalha não come”, engolimos o patrão a seco, afinal ele é o patrão e nós os empregados, ele anda sempre de carrão e nós de ônibus, quando muito de Gol.

Recebemos o salário, salário de fome? Ou salário que apenas dá para matar a nossa fome? Pagamos água, luz, telefone, fazemos compras, escola dos filhos, compramos roupas e calçados, o dinheiro já foi tudo, a mulher reclama: “meu bem o dinheiro já acabou? Trabalhar mais um mês, começar tudo de novo, enfrentar o trânsito, o patrão novamente sorrindo pra nós, jogar na Mega-Sena e sonhar que somos milionários, para acordarmos na dura realidade da vida.

A vida já não corre mais, voa a cada segundo e a cada minuto e as horas empurram os meses e anos para frente. Não temos tempo para pensar, somos pensados. Não temos tempo para amar, fingimos que amamos. O lixo virou luxo, existem varias verdades, acreditamos em tudo e em nada também. O essencial foi derrotado pela aparência, o simulacro reina, fazemos sexo pela televisão, pela internet, o Big Brother inspira-nos, somos seres conhecidos por números e senhas. A mulher nua na revista vale mais do que seu corpo presente. O que é novo de manhã ao anoitecer já envelheceu, a vida é uma roda que roda e precisamos rodar junto com ela, para não corrermos o risco de ficar parados fora da roda da vida que roda sem parar.

Quem nunca teve vontade de “chutar o balde”? De mandar tudo para o ar, esquecer do tempo, esquecer dos compromissos, esquecer das contas, ir para o alto de uma montanha, beijar a lua e brincar com as estrelas, de armar uma rede no infinito e viajar na imensidão do universo? Apenas o sonho continua e felizes os que sonham, pois sonhar não paga nada, e muitos sonhos podem se tornar realidade. Por enquanto vivemos como “urbanoides melancólicos, como disse o grande Drummond: “Eta vida besta, meu Deus”. La vamos nós. Ótimo fim de semana a todos.

Giovani Ribeiro Alves.
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3 comentários:

  1. O que seria de nós se não sonhássemos?

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  2. Olá!

    É muito bom se tudo que desejássemos tivéssemos às nossas mãos. Mas, a realidade diz extamente o contrário. Para obtermos o que queremos devemos lutar, lutar muitas e às vezes nem conseguimos.

    Abraços

    Francisco Castro

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  3. É assim mesmo, uns sofrem mais outros menos mas todos carregam este estigma da "cidade grande" .. mesmo nascidades não assim tão grandes;

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