segunda-feira, 25 de abril de 2011

Família: um tempo para repensar



Quando um casal opta por uma união, independente do modelo jurídico, religioso, ou de outros valores que não sejam próprios da relação, ele estabelece entre si, pactos que vão se estruturando de acordo com as expectativas e capacidade de negociação, construindo assim, uma identidade, sem anular a singularidade, afinal, compreende-se que, para sobreviver às rotinas e ao enfado que é estar “junto” ao outro todos os dias, tornar-se-á necessário definir as finalidades da liberdade, sendo essa, parâmetro delineador do insubstituível espaço da convivência.

Assim, estabelecerá a responsabilidade em construir uma proposta de unidade, sem, contudo, exigir que o outro se desfaça de sua identidade, pois, se assim o fizer, claro, com o consentimento das partes, fundar-se-á o modelo revelador de uma relação adoecida, tornando-se essa, inevitavelmente, um local imerso no vazio daquilo que, para sobreviver, necessita sempre dos sentimentos de culpa, acusação, punição e intensas doses de tirania, projeções e transferências aos filhos, pais e amigos, tentando, dessa maneira, buscar aliados para estruturar uma ruptura e criar “condições confortáveis” para que as responsabilidades ou, os fracassos emocionais e afetivos sejam sempre atribuídos a uma das partes do relacionamento.

Quando exigimos do outro aquilo que não somos capazes em suportar ou compreender, encerramos o campo da convivência e, muitas vezes, destituímos a identidade de uma relação, impondo a ela outras identidades, transferências de convivências desestruturadas, as quais reacendemos em nossos relacionamentos todos os conflitos vividos nos casamentos dos pais, e que, inconscientemente, por entre as fissuras da mente, associam-se a fatos vivenciados no presente e, reconstruindo, dessa forma, todo o cenário de traumas daquilo que não é nosso, entretanto, que torna-se, numa herança emocional, algo que nos faz reféns de nossos medos e de nossas culpas não reconhecidas.

Quantos são os que têm dúvidas quanto aos seus papéis no fracasso das relações de seus pais? Quantos são os que não compreendem os motivos pelo qual estão vivendo novamente tudo que o pai ou a mãe passaram? Quantos são os que transformam o campo da convivência no espaço da intolerância, destituindo a relevância das diferenças, sendo essas, um dos pilares de sustentação dos relacionamentos?

Nas famílias em que as singularidades são massacradas, revelar-se-á, com o passar dos dias, um local de extremo adoecimento, sendo esse, o território que possibilitará as depressões, o desencadear de outros tantos transtornos, e, em situações onde, o limar da dor rompe a suportabilidade, o suicídio. Hoje, lamentavelmente, a cada 35 segundos, temos um novo caso; cerca de 3.000 pessoas por dia, e ainda há determinadas correntes da saúde mental que desejam ter o controle total sobre aquilo que não conseguem sustentar, criando assim, mecanismos de manipulação, elaborando diagnósticos como acreditam que devem, e, prescrevendo, de acordo com as orientações e acordos feitos a portas fechadas.

O espaço da convivência fundamenta-se e nutri-se da liberdade, consolidando a responsabilidade em fazer daquilo que somos, não os caminhos em rotas de fuga, mas, aspectos fundamentais que promovam critérios próprios para o desenvolvimento do casal, segundo o que cada um traz consigo, promovendo, dessa forma, a construção da relação, cuja identidade será resultante de acordos nutridos de trocas, bem como, da convicção que cada casal promoverá um modelo próprio para si.

Aquilo que pode ser bom a uma relação, necessariamente, não garante nenhuma qualidade a outras. Cada uma tem sua dinâmica própria e isso nos leva a compreensão que não há receita que possa garantir êxito, ao contrário, ao tentar estabelecer modelos à história própria de cada uma das relações, será mantido, por conveniência, somente aquilo que acabou há muito tempo, onde, em nome de “uma falsa segurança”, anula-se a oportunidade em refazer-se, e aí, em algumas situações, encontra-se justamente o medo da responsabilidade, sempre delegada, não como virtude, mas, repleta de culpa e acusações a alguém que nada mais é, senão, aquele que desfere suas próprias faltas perante a inexistência derivante de seu autoabandono.

Para consolidarmos o espaço da convivência, necessitamos compreender que, os membros das famílias estão cada dia mais sozinhos, as crianças lançadas ao mundo virtual, aos alimentos rápidos, práticos e pouco saudáveis; estão cada vez mais amedrontadas, afinal, vivem uma época onde veem vários pais matando seus filhos. Isso é aterrorizante para elas.

Certa ocasião, uma criança me disse que tinha muito medo que isso acontecesse a ela, afinal, os pais pediam que não confiasse em quem não conhecesse, porém, completou que seus pais eram seus maiores desconhecidos. Conhecia mais a babá, os professores e demais prestadores de serviços, mas seus pais apenas tinham um contrato de manutenção para com ela. Um acordo quase que social. “Eu os apresento como filhos e em troca dou roupinhas, livrinhos, internet, escola, televisão, fast-food e um bando de coisinhas.

Os adolescentes, cada vez mais imersos à relação tirana das competições e nas cobranças em saírem-se melhores que os outros, pressionados e submetidos aos mais violentos atentados à personalidade, ricos em informações, mas empobrecidos quanto à construção do conhecimento, quanto ao mundo dos sentimentos e, escravizados pelas emoções nos processos desencadeados pelo campo da conveniência. Estão, cada vez mais cedo, mergulhados em depressões, lançados no conflito solidão e angústia, sem nenhum referencial, como náufragos em uma noite escura em alto mar.

Os pais, cada vez mais voltados aos seus trabalhos, mais envoltos às cobranças em apresentarem-se portadores de objetos de consumo caros, mais dados às gratificações materiais, imaginando ser possível sublimar a falta de atenção, de afeto, de interação, e, lamentavelmente, diante do fracasso, sempre buscam culpados por suas próprias ausências, criando a figura do núcleo psicopatológico.

O elo familiar torna-se cada vez mais frágil e as representações construídas são destoantes da importância da representação das figuras paterna ou materna, dos papéis dos filhos e, da compreensão quanto à significativa relevância do campo da convivência, sendo, nesse espaço, minimizados, o desamparo, tão evidente, através da reconstrução da família, com base no diálogo, na construção da crítica, no reconhecimento das escolhas, e, a responsabilidade pelas consequências, bem como, pela promoção e níveis de sustentação interna frente às intempéries e às agruras da existência.


Por Marcus Antonio Britto de Fleury Junior. – ateliedeinteligencia@gmail.com

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3 comentários:

  1. Eu sinto que as pessoas se amam, se casam, tem filhos, etc, mas não entendem que existem altos e baixos, não suportam as adversidades e substituem rapidamente, esquecendo do valor e importancia da familia. O que a originou: o amor.

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  2. Olá queido William!

    Acredito que o que faz uma família ser feliz é o diálogo que ela possui. E quando digo diálogo é não só os seus membros quererem impor suas idéias e sim saber ouvir o outro e tentar entender o outro lado. Através dessa atitude de amor o casamento e a criação dos filhos se torna não uma fardo, mas uma benção divina.

    Bjokas
    Gisele

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  3. É realmente lamentável o que hoje ocorre nos núcleos familiares. A descrença no ser humano já se faz presente dentro dos lares. Infelizmente os pais por terem uma vida cheia de compromissos, esquecem o maior deles que é a criação de seus filhos. Entregam essa responsabilidade à terceiros e vão se tornando verdadeiros estranhos para seus filhos. Há que se entender que para se construir uma verdadeira família, necessário ser faz a presença incondicional do amor, do compromisso, do diálogo enfim, são elementos que solidificam a relação familiar.

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