sábado, 19 de março de 2016

Cuidado para não se sufocar em sua bolha


Hoje, sabemos tudo praticamente na hora em que as coisas acontecem. Mas será que sabemos tudo?


Você está navegando na Internet, clica em um site qualquer e resolve “curtir" uma notícia. Depois, passando o tempo no Facebook, lê um daqueles textões bacanas de seu amigo engajado politicamente, “curte" aquilo e segue a vida como se nada tivesse acontecido.
Há não muito tempo, quando eu era criança e morava com os meus pais, tínhamos todos as mesmas fontes de informações. Praticamente o país inteiro aguardava o Jornal Nacional para ouvir o Cid Moreira falar sobre os acontecimentos do dia. 
Para quem não gostava do Cid, duas ou três opções a mais bastavam. Se você quisesse mais detalhes, podia comprar um jornal no dia seguinte e ver o que eles diziam sobre o assunto.
Hoje, sabemos tudo praticamente na hora em que as coisas acontecem. Aplicativos de notícias jogam as novidades para os nossos celulares. As redes sociais começam a ferver. Na hora em que o William Bonner ou algum de seus concorrentes começa a falar, já temos uma boa ideia do que está acontecendo.
Toda essa oferta de fontes, referências e opiniões causou um problema lá atrás quando a Internet começou a crescer. Os mais velhinhos vão lembrar que antes a rede era organizada por ordem alfabética, como o “Cadê" no Brasil, ou organizada por pessoas de carne e osso, como o Yahoo fazia.
O Google mudou tudo e começou a organizar as coisas por popularidade. Sites mais populares, apareciam primeiro. Em teoria, se algo era popular, era mais interessante. Com o tempo, a tecnologia permitiu que não só os artigos mais interessantes fossem apresentados antes na sua tela, mas os motores de busca aprenderam a desvendar as coisas que eram mais interessantes para você. 
Os resultados passaram a ser customizados, com cada usuário recebendo resultados de acordo seus gostos e histórico.
Você já deve ter percebido isso quando, ao fazer uma busca por um produto, começa a ver anúncios e sites sobre o tema por todo canto. O mesmo acontece no Facebook, quando você começa a “curtir" coisas daqueles seus amigos engajados. Quanto mais você clica, curte e compartilha, mais coisas parecidas com o que acabou de clicar, curtir e compartilhar surgirão à sua frente.

Isso é útil. Afinal, queremos praticidade. Queremos coisas úteis para nós. Queremos as informações mais relevantes, que mais nos interessam, o mais rápido possível.
Tudo isso também gera um outro efeito. Quanto mais individualizamos nossos resultados, mais ensinamos aos computadores à nossa volta o que gostamos, e mais homogêneo o mundo vai se parecer para nós.
É simples. Digamos que você goste de assuntos “de esquerda”. Você vai clicar em sites, concordar com amigos e ler textos que reflitam sua posição política. Em breve, estará recebendo muito mais notícias a favor do seu modo de pensar do que contra. Em pouco tempo, ficará com a impressão de que o mundo inteiro concorda com você. O mesmo vale para quaisquer outros posicionamentos políticos.
É quase como uma profecia auto-realizante. Sem nem perceber, você se cerca cada vez mais de opiniões que concordam com a sua visão de mundo. Em pouco tempo, está cercado desse tipo de opiniões. Não é a toa que opiniões divergentes parecerão estranhas. Se tudo que você lê a respeito de um tema está “certo”, como alguém ousa discordar?
Isso, ao meu ver, explica boa parte da radicalização que vemos nos discursos de temas que vão de liberdade religiosa a assuntos polêmicos como aborto e questões relacionadas ao destino político do país. Pelo volume de notícias que recebemos, temos a impressão de que as coisas são óbvias e não é possível que os outros não vejam da mesma forma.
 Acontece que os outros, tendo treinado seus próprios Googles e Facebooks, também receberão uma enxurrada de artigos. Todos contrários ao que você acredita, e se pegará pensando em como você não enxerga a verdade.
Talvez, na época do Cid Moreira, fôssemos mais felizes porque sabíamos que tínhamos menos informações. Hoje, com a “certeza" de termos lido tudo a respeito, nos esquecemos de olhar o outro lado.

Fábio Zugman.

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